Mário Sérgio
Havia, sim, muita dificuldade em trazer público aos eventos de basquete em cadeira de rodas. Naturalmente, nos ressentíamos do fato, porque imaginávamos que tinha que ter valor aquele esforço todo. Afinal, se acertar a cesta de pé, por aqueles atletas gigantes é um grande desafio, imagine fazer isso sentado, sem poder saltar e ainda ter que controlar a cadeira, como se caminhássemos em um piso escorregadio. Não era brincadeira.
As competições eram acirradas, com quedas de cadeira e condutor, bastante plásticas. Mas o retorno à posição natural era outro espetáculo. Especialmente quando a PcD tinha braços longos e fortes, erguendo a cadeira como uma extensão do corpo, impulsionando para mais uma disputa de bola, um ataque, uma defesa. Muita adrenalina naquelas corridas, derrapagens, dribles fantásticos. Algumas jogadas de passe em que o atleta dá impulso e arremessa a bola por trás da própria cadeira, com habilidade e força suficientes para cruzar a quadra e alcançar outro cadeirante desmarcado no garrafão. Um espetáculo impagável pela beleza, habilidade e técnica apurada.
E o que dizer dos arremessos? Pura magia. Ainda que sem plateia, a sensação de quem lança a bola ao cesto é quase sempre de estar num caldeirão. Numa analogia simples, um jogador comum normalmente tem as mãos, ou até a própria cabeça em altura alinhada ou próxima à da cesta. O paratleta vê a cesta bem mais alta, como se arremessasse a bola para as mãos do infinito. É pura emoção. Como se o pilar que suporta a bandeja assumisse, por encanto, a forma de uma colher imensa promovendo a mágica mistura borbulhante de rodas, braços, suores, acidentes, sorrisos e glórias.
Numa conversa ao final de uma partida, no ginásio da AMP, hoje Poliesportivo Dep. João Batista de Oliveira, a questão foi levantada e alguém analisou que, talvez, o problema se resumisse em que aquilo não era sonho de pais para seus filhos; exceto, claro, se também fosse PcD. No entanto, atualmente, vemos estádios lotados nas paraolimpíadas. Isso nos enche de orgulho. Houve o caminho que percorremos, resilientes, como numa corrida de revezamento.
Nossa digna realização é saber que entregamos o bastão para aqueles que nos sucederão em melhores condições do que recebemos. Muitos de nós, no início, usávamos cadeiras comuns para jogar. Comparado aos atuais equipamentos, era como se um time de futebol entrasse em campo com chuteiras de última geração e o outro calçando botas galocha PVC.
Jogo treino. Nos esforçávamos para merecer a titularidade do jogo efetivo. Nem sempre a habilidade caminhava pari passu com as desenvolvidas musculaturas de alguns ombros e braços. Num momento de excesso, uma roda se soltou e a cadeira, adernou para a esquerda, sem que o que vinha rápido de trás, esperando um passe, tivesse tempo de parar. A batida e o capotamento foram inevitáveis. Outros três atletas foram atingidos e formou-se um amontoado de cadeiras, enquanto a bola, perdida, quicava em direção ao fundo vazio da quadra. Ninguém se feriu gravemente, mas foi um quebra-quebra daqueles nas cadeiras.
Lindo texto. Vamos levá-lo aos nossos atletas. Parabéns!
Obrigado, Leonardo.
Integrei por algum tempo o time de basquete da AMP e foi um tempo de enorme aprendizado.
Tenho certeza, que naquela época não foi nada fácil, pra você e para seu time de obstinados a conquistar seus objetivos. Tenho orgulho enorme de ver a cada olimpíada o pioneirismo do qual você também foi parte.
Realmente, Ana Lúcia.
Muito do que vivemos naqueles tempos descenderam de pessoas espetaculares como o Leonardo Matos; Iolanda Sapucaia; Shirley Ávila; José Maia e outros.
O esporte sempre nos impulsionar a vencer. Parabéns por esta página espetacular
Esporte e vida e libertação.
Abraços.
Como sempre, o Mário Sérgio traz uma visão diferente da comum. Somente alguém que viveu essa experiência pode expressar uma ótica tão diferente. Belíssimo texto e que nos faz ver a superação das pessoas com deficiência ao lidar com questões do dia a dia.
Obrigado Felipe.
Parafraseando o grande Pablo Neruda:
“Confesso que vivi!”
Muito, muito bom o texto, é como se estivéssemos no estádio vendo esse desenrolar do jogo.
Parabéns, você escolhe as palavras certas para aproximar leitor e autor.
Obrigado, Rosângela.
A proposta é trazer à luz experiências de uma PcD.
Abraços.
Parabéns Mário pela sensibilidade e capacidade de descrever um momento vivenciado por poucos.
Obrigado, João.
Esses momentos são, de verdade, mágicos.
Apesar dos desafios e falta de reconhecimento inicial, o esporte adaptado, particularmente o basquete em cadeira de rodas, possui um valor intrínseco elevado e proporciona um espetáculo de alta qualidade, sendo digno de admiração e respeito, tanto pela habilidade técnica quanto pela resiliência dos atletas.
Esse reconhecimento define acima de tudo título de superação!
Obrigado, Zilma Torres.
E concordo integralmente que “resiliência” e “superação” são o sustento de muitas PcD. Em especial, a superação dos obstáculos, não da deficiência em si.
Me lembro ainda de várias outras histórias, como seu filho, eu vivi muitas delas, e eu sentia muito orgulho de te ver jogar, isso te fazia muito bem.
Hoje continuo tendo orgulho de toda sua história e conquistas. Te amo pai
A maior conquista, a mais pungente vitória, certamente, é, a cada instante, a honra de tê-lo como filho.
Beijos.