Peter Rossi
Olha eu de novo com minhas reminiscências…
Acontece que algumas imagens cismam de petrificar em nossas retinas, trazendo-nos sempre de volta a situações que vivemos enquanto crianças. Como acontece assim, sempre! Devo mesmo ter tido uma infância sensacional pois a ela retorno, sistematicamente. As imagens são sempre boas e no peito bate um coração de menino, feliz com cada surpresa novamente revelada.
Uma imagem que povoa meus pensamentos diz respeito a uma atividade simples, tacanha, que fazia junto da minha vó Nazinha. Que saudades, minha vó!
Sentávamo-nos, normalmente na parte da manhã, sobre a grama do jardim e deixávamos o dorso cair para trás. Assim, deitados, observávamos o passar das nuvens, com a morosidade que só as nuvens sabem, em dias de pouco vento.
A cada nuvem que passava tentávamos identificar a imagem refletida. Passavam bichos, coisas as mais diversas: foguetes, balões, botas.
A brincadeira era demasiadamente simples: minha avó dizia que via uma imagem e eu era obrigado a identificar em qual nuvem. E assim ficávamos horas à fio, e sempre de mãos dadas, ia esquecendo de dizer. Era uma mão gordinha, já com a pele flácida e muitas marquinhas e pintas, mas era uma mão segura, que agasalhava e transpirava ternura. Hoje, adulto, perdi a conta, não tenho a menor ideia de quantas vezes aquela mão velhinha me amparou.
Quando chegava a minha vez de dizer o desenho e minha avó apontar a nuvem, eu exagerava. Dizia a ela ter visto um disco voador, e ela acreditava, na verdade fingia acreditar. Ela não perderia aquela oportunidade, assim como eu. Era um compromisso de neto e avó, daqueles insolúveis que só quem já viveu esses momentos sabe bem.
Se chovia, vó Nazinha me contava histórias de sua infância e dos ingleses que viviam na minha terra. Claro que forjava príncipes, princesas e dragões e ainda fazia premonições:
– Um dia você será um príncipe e matará os dragões!
Eu, com a minha singela ingenuidade, acreditava piamente naquilo e me esforçava para ser o melhor príncipe possível. Munido de um cabide de madeira, exercitava a arte de lutar com espadas. Pegava um velho colete marrom de meu pai, que em mim chegava ao tornozelo, e partia para as batalhas. Um cavalinho de pau com uma crina de corda numa ponta e uma rodinha na outra, compunha a personagem.
Brincava bastante e ia logo contar a minha vó quantos dragões tinha matado. Ela ouvia com a melhor atenção e, vez ou outra, me dava conselhos de como lutar melhor.
Antes de dormir, sozinho com o travesseiro, sob a tênue luz de um abajur com cúpula verde, ficava a imaginar como minha vó sabia de tantas coisas.
O tempo passou, com certeza não virei príncipe, e me dei conta de que poucas vezes brinquei com meus filhos de adivinhar desenhos em nuvens. E quantas nuvens estiveram no céu desde então. Jamais seria um príncipe, embora certa vez tivesse acreditado. Não tive a honradez de seguir o exemplo de minha vó, não me sentei com meus filhos na grama para tais brincadeiras. Que pena!
Mas nem tudo está perdido, acho que a coisa sempre salta uma geração e, ainda terei tempo de ser salvo pelos príncipes que meus netos serão.
Viver é repetitivo, temos a obrigação de tornar a vida divertida, divervida!
Preparemos os olhos e o coração a enfrentar diversos contornos que as nuvens irão nos mostrar, afinal as nuvens, elas nunca faltam, estão sempre lá no céu, passando devagarinho.
Ufa! Então, caros dragões, não perdem por esperar. O tempo de vocês ainda vai chegar.
Um beijo vó Nazinha, que hoje mora numa linda nuvem que passeia pelo céu, em forma de castelo!
Sem dúvidas, uma linda historia de vivências e convivências, que enriquecem qualquer infância; estimulando criatividade e cumplicidade de forma lúdica.
Infelizmente, não tive esse privilégio…
Parabéns Peter!!!
Também vivi e vivo esse prazer em descobrir formas e histórias nas nuvens, nas paredes, no teto. Transpus essa magia para a pintura de aquarelas e camisetas, onde as formas fluidas se revelam e compõem um quadro fantástico e inusitado. Continuemos a nos projetar nas nuvens. A criança que habita em nós agradece.
Tive o privilégio de deitar na relva e com os irmãos brincar de adivinhar os desenhos formados pelas nuvens no infinito céu.
Meu Deus!! Tínhamos muitas imaginações!! Até hoje, quando abro as janelas da minha casa,tenho a sensação de outrora!! Que delícia sonhar…..
Agradeço ao Peter por compartilhar essas lindas lembranças vividas por nós.