O elo perdido

Peter Rossi

Sempre achei o Tio Allan o máximo. Alto, esguio, magro e, sobretudo atento ao mundo ao seu redor. Gostava de conversar com ele, da sua risada contida, dos seus gestos à moda inglesa.

Era um homem muito bonito e certamente encantou as meninas de sua época.

Existiam e existem histórias e lendas mil a seu respeito, mas falar nisso demandaria páginas e páginas que este espaço não comporta.

Tio Allan se foi. E não lamento só a sua ausência, ainda recente, que reclamará muita saudade ainda. Na verdade era ele o elo com meu pai. Únicos irmãos. Meu pai ausente há mais de quinze anos. Tio Allan o mantinha vivo entre nós.

É engraçado como essas teias são enredadas. Um completamente diferente do outro. Papai mais “doidão”, o tio, centrado, realizado profissionalmente, com uma vida tranquila e segura.

Nunca foi de excessos, muito ao contrário. Se manteve em forma até os 90 anos, mas no final o final aparece.

Fui visitá-lo no hospital e percebi que estava desgostoso, não queria mais lutar, a vida já não fazia mais sentido. Tentei, de todas as maneiras, negar o que estava escutando e procurei, a todo custo, desviar o assunto, impregnar a conversa com mensagens positivas.

No fundo, bem lá no fundo, percebi que uma parte da minha vida também se esvaía. Na próxima visita, uma semana depois, não o encontrei lúcido. Uma pena! Tinha preparado algumas frases, situações e histórias das quais ele tanto ria, mas não tive oportunidade.

Pensei em papai e tio Allan juntos agora. Certamente o velho, que foi primeiro, tentando mostrar pro irmão como são as coisas do outro lado e o tio, atento à sua volta, percebendo que não era bem como meu pai estava a descrever.

Círculo da vida. Ciclos. Vale a história, a memória, os tempos idos. Fica um gosto ácido da ausência, que a gente contempla para nos fortalecer. Uns alegam que é conformismo, prefiro chamar de saudade.

Esse termo tão brasileiro, tão brejeiro para dizer que alguém faz falta e que dói muito não tê-lo a seu lado.

Saudade, meu querido tio. Te peço que tome conta do velho irmão, o que você fez com tanto carinho em vida.

Siga bem!

Saudade!

4 comentários sobre “O elo perdido

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