(texto original publicado em 27/05/2020)
O cotidiano. Ele já foi inspiração para muitas artes e alvo de estudo e teoria dos mais diversos campos de saberes. Mas agora se materializa na realidade em forma de uma pia cheia de louça suja ou no convívio intenso com as manias alheias. Pois é, ele está bem aí, ou aqui, debaixo dos nossos olhos. Nu e cru.
A necessidade do isolamento nos colocou em contato íntimo com o cotidiano, a rotina, o dia-a-dia, a convivência intensa, a mesmice, a chatice, a rabugice. Estou eu mesma a um passo de descobrir que sou insuportável.
Os especialistas recomendam paciência, calma, tranquilidade, prudência, mas, convenhamos, difícil essa aula na prática. A não ser que já tenhamos encontrado a iluminação através de práticas meditativas avançadas ou sejamos a reencarnação de Dalai-Lama com Madre Teresa de Calcutá, uma hora a gente escorrega, tropeça, sai catando coquinho…
E haja arte para sublimar este intenso cotidiano!
Curiosamente, estudando sobre suicídio para uma palestra que darei na semana que vem, descobri que este mal não é recente e tem nome: “Taedium vitae”. O termo “tédio vital” ou “tédio de viver” foi retomado da Idade Antiga e descrito nos primórdios do Renascimento (entre 1580 e 1620) como a expressão de uma angústia existencial intensa.
Para George Minois (2018), “ele parece estar ligado às crises de civilização, aos momentos de alteração profunda dos hábitos coletivos e de questionamentos dos valores tradicionais, das convicções morais e das verdades estabelecidas nas esferas religiosa, científica e intelectual”.
Surpreendentemente, ilustra bem o nosso momento de crise mundial com nuances apocalípticas, temperada com a “criatividade” tupiniquim. Relacionando-o com o tema do suicídio, Minois (2018) afirma que, ao contrário da melancolia, o tédio vital não levou a muitas mortes, pois trata-se exatamente de um “estado de flutuar entre a vida e morte, numa indecisão sem fim”.
Para combater o tédio de viver e outras formas de loucuras, os renascentistas também foram sábios: “música, ar puro, exposição ao sol, odores agradáveis, iguarias aromáticas, vinho”, recomendados por Ficino ou “diversificar atividades”, “interessar-se por assuntos diferentes”, indicados por Burton.
Interessante que, passados mais de 400 anos, a “receita” para combater os males da alma teve poucas inovações. O campo da saúde se desenvolveu bastante, com os psicofármacos e psicoterapias, mas, na essência, o enfrentamento do tédio vital vem da própria simplicidade da vida.
E você, como está lidando com tudo isso?
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Adorei o texto e sua forma de escrevê-lo.