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Certas Noites

Rosangela Maluf

Às vezes algumas lembranças me passavam pela cabeça.

Em noites de ilusão, desencanto ou de certa embriaguez sentimental, poderiam chegar-me doces recordações ou pensamentos de extrema tristeza. Nunca se podia saber ao certo.

Na noite do meu quarto poderia permitir qualquer pensamento que minha mente autorizasse. Bom ou não tão bom. Que me induzisse calmamente ao sono, ou me fizesse permanecer naquela insônia que às vezes me consumia.

Pensar em Javier ainda me faz bem.

Às vezes, não. Mas, sem limitações, permito todas as lembranças.  Até quando ele disse claramente que voltaria pra Madrid e pensava não mais voltar da Espanha. E o convite para que eu o acompanhasse foi feito com tão pouco entusiasmo, que eu disse  que também não sairia do Brasil. Não foi fácil. Teríamos ainda seis meses até que ele se organizasse. Havia dias de tristeza para nós dois e noites de imensa felicidade, sim ainda era possível sermos felizes.

Não sei como resisti e nem como me recuperei depois. Foram apenas três anos. Mas tão intensos, tão alegres, tão verdadeiros que nunca pensei em um término assim. Un adiós!

Homens… como entendê-los!

É mesmo bem fácil apenas amá-los, sem muitas expectativas, sem cobranças, nem muito próximos, nem muito afastados. Intimidade  cuidadosamente avaliada e controlada, mas bem vivida e intensa também. Sexo magistral, enquanto uma certa atração fatal assim o permitir.

E o tempo?

Nos esquecemos que ele passa, e passa para todos; inclusive para os temporariamente apaixonados, loucos de amor. Modifica tudo. Muda as pessoas. Transforma sentimentos.

É difícil saber o que foi que nos afastou; para nós que pensamos um dia envelhecer juntinhos, aconchegados em mantas de lã enquanto cada um lia o seu livro, apreciando as mesmas sinfonias. Ouvindo a chuva e sentindo só um pouquinho do frio que entraria pelas janelas.

Ah, como foi possível que tudo se transformasse assim.

Me reconfortava respirarmos o mesmo ar, pisar a mesma areia, compartilhar a mesma paisagem matinal. O café, o chá, pão na chapa com queijo derretido e meio queimadinho.  Dividir o prazer das paellas e as tortas maravilhosas do Chez Sebastian, um espanhol, amigo dele e aonde íamos todas as sextas-feiras. Jantar, um bom vinho, sobremesa deliciosa e um limoncello pra mim. E a melhor das transas, depois.

Eu sempre fora uma mulher fechada, de pouca conversa, tímida e introvertida. A única com este temperamento entre três irmãs Todas faladeiras, agitadas, com várias amigas, nem um final de semana em casa. Trocavam de namorados como quem trocava de roupa.

Entretanto, no meu canto, eu pouco falava, mas pensava muito, refletia sobre as coisas, analisava todos os fatos guardando todas as análises só pra mim.

Conversava com algumas poucas amigas, mas pouco saía. Preferia o silêncio e a calma da minha casa.

Quando o Javier se mostrou interessado em mim, irmãs, amigas e até eu mesma, perguntamos o que ele havia visto nesta mulher sem graça, sem sal.

Foram três anos juntos  felizes, cada um em sua casa.

Viajando nos feriados, saindo nos finais de semana. Voltando pra casa, mais um vinhozinho, muitos beijos e abraços, uma  (ou mais) ótimas transas. Depois cada um, em seu colchão, seu travesseiro, em sua casa.

Quando estamos apaixonados, o atrativo da revelação se faz presente no interesse por qualquer assunto que venha do ser amado. O interesse objetiva agradá-lo, conquistá-lo ou marcar nossa frágil posição naqueles tempos iniciais.

De repente nos pegamos acompanhando-o em suas reflexões improvisadas, que nos surpreendem e encantam pela veracidade contida em tais palavras, o brilho intenso nos olhos dele, cada vez mais negros.

Imaginamos viver em um cenário mágico, personagens de um romance cinematográfico; somos absorvidos por um mundo de ficção, distantes do nosso mundo real ou temporariamente suspenso, colocado em segundo plano.

Agora, penso e por mais que isto me incomode, não posso deixar de lamentar o meu amor excessivo!

Não podia imaginar esse resultado, depois do quanto me doei, da minha entrega incondicional. Como não lamentar?

Sem dramas, sem choro, mas profundamente triste e abatida.

Me viro mais uma vez na cama.

Desligo o abat jour, deixo de olhar as paredes e o panneau, que trouxemos do Marrocos.

Respiro fundo.

Nada a fazer.

Hoje não penso nada.

Seria bom um recomeço para nós dois, se ainda for possível (não falamos disso). Pode ser que eu tenha coragem de desejar pra ele um novo recomeço, sem mim! E lá no fundo o que é mesmo que eu desejaria pra mim?

Não sei, não consigo responder.

Continuo seca, introvertida, mas nem sempre verdadeira comigo mesma.

Até quando?

Não sei. Vou levando do jeito que consigo.

E é só!

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  • Um sentimento à flor da pele, vivido intensamente, viver, sentindo o pulsar dentro de si mesma acreditando no "amanhã." Linda história. Valeu a leitura. Grato. Renato Drumond

  • Um sentimento à flor da pele, vivido intensamente, viver, sentindo o pulsar dentro de si mesma acreditando no "amanhã." Linda história. Valeu a leitura. Grato. Renato Drumond

  • Uma história linda, repleta de sentimentos verdadeiros, coisas de quem se deixa levar pelos sentimentos mais contidos, o mergulho na paixão. Um conto permeado de sofisticação em todos os detalhes, nos leva ao devaneio de um verdadeiro romance, parabéns.

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