Peter Rossi
Quando somos crianças um dos momentos mais felizes é quando descobrimos como “olhar” as horas. Era mágica essa ocasião. Às vezes, meninos, usávamos os relógios só para ornar nossos bracinhos, mas não tínhamos a mínima noção do que estavam a marcar.
Até que chega um dia que nossas mães pegam um prato de bolo, daqueles de festa, feito de papel, e no fundo desenha os números de um até o doze. O número 12 em cima, o 6, na parte de baixo, e a ordem dos demais da direita para a esquerda. Dois canudinhos de refrigerante, de plástico, que hoje não mais existem, um na metade do raio do prato e outro com a metade do tamanho do primeiro. Um furo era feito no centro do prato de papel com um alfinete que atravessava a ponta dos dois canudos, varando do outro lado da bandeja. Ali, a ponta do alfinete era fechada com uma rolha, daquelas de cortiça.
Era só rodar a rolha que os ponteiros giravam. Pronto, o relógio estava pronto!
A mãe ensinava que o ponteiro pequeno marcava as horas e o grande os minutos. Cada hora continha sessenta minutos. E assim íamos aprendendo, simplesmente maravilhados.
Acordávamos pela manhã e já pegávamos o relógio na escrivaninha e fingíamos dar corda. Corríamos até a cozinha a mostrar para nossa mãe. – São sete horas e dez minutos! Às vezes errávamos, noutras nossa mãe fingia que acertamos e assim seguíamos a vida, que por sinal era muito feliz.
O tempo passa e ficamos adultos. Só então percebemos que todo aquele aprendizado hoje não vale mais de nada. Os relógios eletrônicos não têm mais ponteiros, tratam-nos como idiotas a estampar na frente de nossos olhos números enormes. Assim, nossas cabeças de meninos, hoje adultas, acabaram esquecendo de fazer as contas para tentar adivinhar qual a hora certa.
Pior que isso é que, adultos, deixamos mesmo de entender as horas. Desaprendemos por completo!
As pessoas não sabem mais qual é a hora para parar, qual o minuto que devemos esperar. Esquecemos de tudo, que poucos minutos podem ser uma eternidade, que uma hora passa num átimo.
Sempre focados nos nossos próprios umbigos, o transformamos em relógios que não sabemos “ler” e, com isso, o tempo ao nosso redor é absolutamente desprezado, ignorado por completo. E de que vale o tempo, resta a pergunta, se não para ser desfrutado?
A gente esquece tanto dos momentos verdadeiramente importantes, que o tempo acaba por esquecer da gente, e passamos ao largo, essa é a verdade.
Ignoramos ou, mais, preocupamo-nos demais com o girar dos ponteiros que eles se transformar num fim em si mesmos. Deixamos de contemplar os momentos de paz e alegria que acontecem entre dez ou quinze minutos. Estamos focados em fazer tudo às pressas como se com isso possamos fazer mais. Na verdade é exatamente o oposto: menos é muito mais! No afã de conhecer todos os monumentos da vida, deixamos de contemplar minimamente a beleza de cada um deles, ainda que alguns deixam de ser vistos.
Mas esse é o barato da vida: há sempre um monumento a ser visto, ainda que em outra ocasião. Se não for possível, que seja então imaginado, sonhado e assim vamos vendo o tempo passar.
Em outras ocasiões perdemos o tempo, deixamos o tempo escapar. E o tempo é como a água: vive absolutamente buscando encontrar uma brecha para sair, ele também escorre entre os dedos de nossas mãos.
O fato é que se somarmos, ao longo de nossa vida, quantos minutos desfrutamos, veremos que a paz não se mede com nenhuma régua, ela se mede com versos, com música, com amizades, com carinho, com amor. A paz desafia o tempo! É ela que nos abastece e nos faz entender que a vida é boa, haja o tempo que houver.
E quão ingênuos somos. Acabamos por perceber isso somente quando pouco tempo nos resta! Que ironia pérfida. Certa vez perguntaram ao filósofo italiano qual o melhor tempo da vida e ele não titubeou em responder: “a velhice, pena que ela dura tão pouco tempo”.
O que precisamos é deixar de preocupar com essas “contagens” e entender que cada momento vale em sua inteireza e assim se torna infinito, como o poetinha nos ensinou.
Não percamos tempo então! Vamos aproveitar esse danado da melhor maneira possível: sejamos sempre felizes, independente de quantas voltas o ponteiro do relógio der!