Quando criança, pão de padaria era uma verdadeira porcaria. Pão gostoso era feito em casa. Fazer pão, então, era melhor ainda. E não era só gostoso comer o pão quentinho. Melhor ainda era flutuar num cheirinho tão bom. E o cheiro era tão bom que até hoje tenho impregnado em minhas narinas. Não sei qual seria a minha reação ao sentir aquele cheirinho quente mais uma vez. Êta saudade que nos remete na parede do tempo e caímos sem qualquer rede a sustentar.
Minha mãe sempre fazia pão de batata em casa. Eram redondinhos, menores que um pão de hambúrguer.
Numa bacia de alumínio mergulhava batata cozida, espremida como minhocas, farinha, ovo, fermento, sal e muito carinho. Com suas mãos gordinhas, minha mãe tratava de misturar tudo aquilo. E misturava, misturava até que uma massa nascia. Não consigo descrever a cor com precisão. Acho que era um amarelo desbotado, cor de batata cozida mesmo.
Ela insistia em bater a massa. Fazia uma bola maior e deixava cair na pia com força e com vontade. Ela estendia a farinha na pia prá não agarrar e arremessava aquela massa por minutos a fio.
Sabia exatamente qual o ponto. Pronto! Este é o ponto, e só ela sabia …
De bater, passava a acariciar aquela massa e com as mesmas mãos gordinhas e pequenas fazia pequenas bolinhas. Todas do mesmo tamanho. Até hoje não consigo entender como minha mãe conseguia fazer todas as bolinhas iguais. Na verdade, tenho uma suspeita: a medida era exatamente o tanto de carinho que ela depositava naquele gesto.
Feitas as bolinhas, perfilhadas uma ao lado da outra, como um verdadeiro exército, surgia em cena um pincel molhadinho de gema de ovo derretida. Em cima de cada bolinha minha mãe dava uma pincelada, como que a assinar cada uma de suas obras-primas.
Com uma pequena faca, ela descolava as bolinhas da pia e arrumava todas, direitinho, dentro de tabuleiros de alumínio. Velhos, amassados, mas fortes o suficiente para amparar exércitos de bolinhas, com gema de ovo pintada em cima de cada uma.
À essa altura o forno já estava quente. Minha mãe usava uma luva cinza, toda queimada, mas que servia prá não queimar a sua mão quando abria a porta do forno do fogão à lenha, ou quando tirava lá de dentro o tabuleiro, cheio de pães novinhos em folha.
Minha mãe usava, invariavelmente, um avental que um dia fora branco, com um debrum cor de rosa, em xadrez. No avental tinha um bolso grande, que não conseguia entender qual serventia, mas que tinha, tinha …
Eu, ao seu lado, me sentia muito orgulhoso em ter ajudado a fazer o pão. Sabia que não conseguia fazer as bolinhas de maneira uniforme como a minha mãe, mas ela cuidava logo de corrigir o meu trabalho, como de resto todas as mães fazem.
Era colocar o tabuleiro e esperar o cheirinho bom a nos avisar que o pão estava crescendo. Meu coração batia mais forte cada vez que minha mãe abria o forno a ver se o pão não estava queimado. O cheiro invadia a cozinha de tal forma que a gente não precisava nem comer, bastava cheirar …
Prontos os pães, a mãe tirava cada um deles e colocava dessa vez numa bacia de plástico verde. A gente nem esperava esfriar. Gostoso mesmo era cortar o pão ao meio e colocar uma bolinha de manteiga, daquelas bem amarelas, que hoje nos proíbem de comer. Imediatamente a manteiga derretia e entranhava de tal maneira no pão que conseguia fazer o seu gosto ficar ainda melhor que o cheiro. Uma tênue fumaça tratava de compor aquele ambiente.
Minha mãe não fazia pão, ela germinava amor e a gente colocava um pedacinho de manteiga dentro, como que vestindo o sentimento de uma alegria plena. Ser menino é muito bom quando a mãe da gente faz o pão com toda força do seu coração.
A gente come o pão quentinho, e ainda quentinho ele escorrega pela nossa garganta de menino e acaba por aquecer nossa infância. Esse cheiro de pão, me desculpem, eu não consigo dividir com ninguém, nem que eu quisesse. Não consigo. Hoje percebo que ele não só invade minhas narinas, ele não fica apenas preso na ponta do meu nariz. Ele está guardado, quentinho, no fundo do meu peito que nessas horas insiste em fingir que é de menino.
Eduardo de Ávila Depois de cinco meses sem uma gota de água vinda do céu,…
Silvia Ribeiro Tenho a sensação de estar vendo a vida pelo retrovisor. O tempo passa…
Mário Sérgio No dia 24 de outubro, quinta-feira, foi comemorado o Dia Mundial de Combate…
Tadeu Duarte tadeu.ufmg@gmail.com Depois que publiquei dois textos com a seleção de manchetes que escandalizam…
Wander Aguiar Para nós, brasileiros, a Tailândia geralmente está associada às suas praias de águas…
View Comments
Senti os cheiros e texturas. Cheguei a salivar. Que texto cheio de metáforas, cheiros e gostos.
Parabéns!!!!
Que delícia de texto! No meu caso, quem fazia o pão era o meu pai; certamente, a dose de carinho deve ser tal e qual a de sua mãe, Peter! Obrigada por suas memórias nos transportarem a uma época que só elas podem tornar presente e nos alegrar com isso!
Peter,vc nos deixa com água na boca,saudades no peito pela sua linda experiência de infância. Graças à Deus, eu e meus irmãos também vivemos esses momentos inesquecíveis.
Toda sexta-feira, era dia de preparar as quitandas, deixar guardadas em lata coberta com um pano branquinho.
Como éramos uma família numerosa,imagina a quantidade kkk
Ali,tinha de tudo,pãozinho de batata,roscas, biscoito de sal amoníaco, maisena entre outros.
Que delícia poder ter vivido tudo isso.
Hoje em dia,infelizmente ,essa geração não tem o costume de fazer nem.um bolinho para perfumar a casa e trazer lembranças afetivas.
Bom que usufruimos desta maravilha !!