Epifania - Fonte: Arquivo Pessoal - Foto tirada em Agosto de 2019 dentro dos limites do Parque Nacional da Serra dos Órgãos

Epifania

Epifania - Fonte: Arquivo Pessoal - Foto tirada em Agosto de 2019 dentro dos limites do Parque Nacional da Serra dos Órgãos
Epifania – Fonte: Arquivo Pessoal – Foto tirada em Agosto de 2019 dentro dos limites do Parque Nacional da Serra dos Órgãos
Daniela Piroli Cabral
contato@danielapiroli.com.br

Há pouco mais de um ano eu vivi uma das experiências mais intensas da minha minha vida. De mochila nas costas, fazia a pé a travessia vulgarmente conhecida como “Petro-Terê”, uma trilha de 28 quilômetros dentro do Parque Nacional Serra dos Órgãos, realizada em 3 dias.

Paisagens deslumbrantes, céus maravilhosos, matizes infinitas do verde, os mares de nuvens. Noites geladas, aquele cansaço físico bom e aquela sensação de conquista. 

No segundo dia de caminhada, me deparei com o inesperado e famoso desafio: atravessar o “elevador”. Trata-se de uma série de grandes “grampos” de metal fixados na rocha que devem ser escalados, alternando-se as mãos e os pés. Simples, né? Não fosse o peso da mochila nas costas, não fosse a chuva fina que caía e molhava os grampos e as minhas mãos nuas, diminuindo o atrito e aumentando a possibilidade de escorregar. Não fosse a falta de uma corda de suporte, não fosse um passo em falso, eu despencaria no “abismo”. 

No andar “debaixo”, fui racional, avaliei bem o medo. Pensei em recuar, abandonar o grupo e retornar pelo caminho que tinha me levado até ali. Não, seria impossível fazer a volta por todos os obstáculos. Já tinha investido suor e energia para estar naquele ponto. Não, não iria recuar. Fui com medo mesmo. Fiz a primeira metade da subida muito concentrada, seguindo o meu ritmo, alternando mãos e pés. E o medo ali, me olhando.

Na segunda metade, minhas mãos e pernas começaram a tremer e o medo só crescia. Não sabia mais diferenciar o que era exaustão física e o que era pânico. As lágrimas começaram a escorrer pela minha face. Chorei silenciosa e continuei. Quando alguém gritou lá de baixo: “Olha para a câmera para tirarmos uma foto”, foi a gota d’água. Explodi, chorei alto, xinguei, paralisei e pedi ajuda. O guia foi lá me acudir e, pisando sobre os seus pés, consegui atingir o alto da rocha.

Ali em cima, naquela vista estupenda, sentei-me na pedra, tirei as botas e meias, pisei no chão e descarreguei na mãe natureza toda aquela energia que havia se acumulado em mim. Ainda bem que ela é sábia e soube me acolher. Chorei até secar. Foi uma catarse física e emocional. Eu tive medo de morrer. Eu tive medo de cair. Eu tive medo de querer pular. Voltei para Belo Horizonte com essa experiência fortemente marcada no meu corpo.

E, na semana passada, relendo um antigo texto de Rubem Alves, tive um momento que chamaria de epifania. Mas pode ser insight ou revelação mesmo. Entendi o que aconteceu comigo naquele dia. Eu encarei a minha própria pulsão de morte. Rubem Alves comparava o medo de avião e o medo de altura em uma varanda. Mesmo estando muito mais impotentes e vulneráveis dentro de um avião, sentimo-nos muito mais desprotegidos diante de uma sacada porque ali na beira, quase sem anteparos, não há nada que nos proteja do nosso próprio desejo de morte. 

 

Referência:

– CASSORLA, R.M.S. Do suicídio: estudos brasileiros. Prefácio de Rubem Alves. Campinas: Papirus Editora, 1991.

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