Daniela Mata Machado
“A velhice é um naufrágio.”
(Charles de Gaulle)
Em quatro dias eu vou completar 50 anos de idade e estou aqui, diante de uma tela branca, sem saber absolutamente nada do que quero, posso ou consigo escrever. Acho bonito esse olhar esperançoso da minha geração sobre os dias vindouros, como se a velhice pudesse ser uma nova adolescência, mas não é assim que me sinto. Ou talvez seja, uma vez que a página segue branca e continuo sem muitas ideias a respeito de como preenchê-la. Minha filha Dora, do alto dos seus 15 anos, talvez experimente alguma coisa parecida com isso.
Dora se abre para a vida e todas as suas infinitas possibilidades e eu estou aqui, enquanto tinjo os cabelos brancos com a henna, mirando quais são as minhas possibilidades ante a constatação de que a vida não é apenas impermanente, como eu já havia compreendido: ela é também finita. E não, eu nunca tinha me dado conta disso de modo tão visceral.
Nunca colecionei selos, não sei onde foram parar meus papéis de carta, não me lembro de detalhes da infância, tampouco da adolescência. Nunca me agarrei a nada e me apeguei a muito, mas muito poucas pessoas. Gosto de pessoas. Me sinto bem e feliz com elas e me alegro que se sintam bem e felizes comigo. Mas tenho uma mochila sempre pronta pra partir.
Todo esse desapego aquariano – frequentemente nomeado como “frieza” ou até “descaso” – agora entrou na moda e deve torturar as almas dos cancerianos e escorpianos, que colecionam cartas de amor, lembranças da creche e até caixas de mágoas. Mas nem essa facilidade pra voar através das milhares de vidas que uma vida comporta me preparou para a constatação de que mesmo essa coleção de milhares de vidas, muitas vezes tão distintas, um dia terá um fim.
A aquariana desapegada é também uma controladora incorrigível, que apenas aceita soltar aquilo que não conseguirá controlar. Ops! A proximidade dos 50 anos me tirou o filtro de tal modo que agora publico atos falhos de modo intencional. Pois que seja. O nome disso deve ser liberdade. E talvez me ajude a lidar com tudo o que, doravante, não conseguirei nem desejarei mais controlar. Talvez, inclusive, só seja possível soltar o controle quando o leme realmente se quebra. Se é para naufragar, que a gente aprenda a fluir e aproveitar o rio.
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