A realidade da prática clínica é irrefutável: a demanda para psicoterapia é mesmo uma demanda de amor. Arriscaria dizer que entre sessenta e setenta por cento da queixa inicial trazidas pelas pessoas são relativas aos assuntos do coração.
Elas procuram o suporte psicológico provocadas ou incomodadas com algum conflito do campo relacional/afetivo. Amores platônicos, amores não correspondidos, desilusões e frustrações amorosas, conflitos nos relacionamentos, divórcios, paixões arrebatadoras: eles quase sempre estão na base da procura por psicoterapia.
Ultimamente me intriga a narrativa do amor frankestein. Isso mesmo, a proliferação dos discursos contemporâneos sobre o amor que fragmentam tanto o par romântico a ponto de torná-lo uma grande obra monstruosa, remendada e intangível.
Isso vale para os homens e as mulheres, para os jovens e os maduros, para heteros e homos.
Ah, quero alguém que tenha a beleza do Fulano, o cabelo do Ciclano, os olhos do Cirano. A compatibilidade erótica que tinha com Beltrano.
Tais relatos esquartejam a provável pessoa amada de todas as formas possíveis. Ah, poderia ter a personalidade do João, a história do José, ser carinhoso e sensível como o Manuel. Ah, poderia ter a personalidade do Ricardo, a masculinidade do Jonas, o emprego do Antônio, o carro do Marcelo, a casa do Otávio.
A lista de exigências do amor frankenstein parece infinita e chega ao cúmulo de exigir decoração específica de mobiliários para cama, mesa e banho. Dissecam o par romântico a ponto de idealizar até a escolha da sogra . Ah, se ele fosse filho da Maria, seria perfeito. E daí para frente, não há limite para a criatividade no campo da composição do “par perfeito”.
Tal como na série “The One”, que promete entregar encontros cem por cento compatíveis a partir de testes genéticos com altas chances de felicidade no campo amoroso e no episódio “Hang the DJ” da série “Black Mirror”, em que a vida amorosa das pessoas é definida e gerida a partir de algoritmos, ficam evidentes os processos de desumanização pelos quais a experiência afetiva vem passando. Ela agoniza a céu aberto, carente de lucidez e humanidade, enquanto sugam-lhe as últimas gotas de vida.
Na era da revolução tecnologia, escolhe-se o amor como mercadorias a serem consumidas, dispostas nas prateleiras dos supermercados. Ama-se a partir da exposição de gente nas vitrines dos aplicativos, na qual está implícita uma lógica utilitarista do maior ganho possível, com o menor investimento. Nesse jogo de apostas, exige-se perfeição do outro, sem mesmo se dar conta da sua própria limitação.
A experiência amorosa foi expropriada pelos amantes, que “amam” alheios de si mesmos, sem saber que o amor só pode existir se for por completo. E assim, iludidas na sua própria autoimagem e na idealização do par perfeito, a pessoas têm perdido a capacidade de abrir para a experiência amorosa sem ressalvas, sem o “mas”.
Desconhece-se que o amor é todo, em sua potência e sua carência, em sua beleza e em sua falta. Amar exige reconhecer a alteridade, mesmo quando é fusão ou simbiose. Amar exige a coragem de arriscar a se deparar com sua própria imperfeição, refletida no espelho do outro. Em breve seremos todos andróides nos relacionando com robôs, desconhecendo o quão pode ser atraente a possibilidade do amargo e da frustração. Estamos perdendo os sentidos do amar.
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