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O passado

Silvia Ribeiro

Gosto de olhar o meu passado como uma mera espectadora. Assim evito julgamentos e especulações inoportunas.

Me abdico do papel principal em prol da minha visão morna de coadjuvante permitindo que os meus avessos vistam traje de gala e me felicitem com um bom espumante.

Prezo por estar à par de cada erro e de cada acerto que eu executei, pra que assim eu os veja com olhos de gratidão e com o andar de aprendiz. Tudo baseado no quanto de amanhã eu ainda tenho.

Tem dias que as minhas lembranças resolvem dar o ar da graça e brotam do nada, como se planejassem promover algum reflexo nas minhas estimas ou me dizer que são cruciais.

Acho hilário o modo como elas aparentam criativas e chamam por mim. Chego a ouvir os seus gritos e as suas absolutices.

Diversas delas aparentam ser oriundas de algum museu ou de algum filme pastelão que desacata qualquer mal humor. E ainda querem mais.

Comparecem de barriguinha de fora, calça santropé, e dançando bilisquete. E quando visam desaforar um pouco mais o tempo, usufruem de um aconchegante penhoar e uma saliente água de cheiro.

Mas não pensem que tudo é retrô.

As moderninhas e empoderadas não ficam de fora. Com o mais atrativo dos iphones nas mãos fazem rimas e descem até o chão.

Sem deixar de lado as mais desinibidas.

As tais que pulam a janela do meu quarto, que gostam da minha lingerie, que me pegam no colo. Que tem virilidade nas veias e orgasmos que dizem que amam. Algo que me lembra um presente que eu ainda não abri, mas que eu já gostei.

Bem aventuranças que só existiram no imaginário fazendo duetos com alegrias infindas, lágrimas que orvalharam algumas histórias e que são merecedoras de um abraço. Tudo isso faz parte do pacote.

Caminhos longos me olhando por um prisma ousado e com sorrisos de bagunça como se fosse o último, e corações que eu acariciei e que talvez tenham me tocado também. Esses me contam muitas coisas.

Afetos que ficaram e os que tiveram que partir, agendas que não existem mais, sonhos em outros patamares, pratos prediletos, manias e chatices que se bastam. Falhas e desistências que me garantem um diploma emocional.

Estradas curvas que cansaram os meus pés e que eu percorri com a maestria de quem se encanta pela vida, e que ainda se sente jovem. Um besteirol de vivências que me divertem guardadas num filme fotográfico.

E toda gente que eu ainda irei encontrar.

E amar…

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Tags: Amor

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