Na última quarta-feira, dia 08 de novembro, tive a oportunidade de ir ao show do Roger Waters no Mineirão. Antigamente, eu detestava Pink Floyd exceto por “Wish you were here”, que era a única música que sabia tocar no violão ( “sabia”, no passado mesmo, porque faz tempo que já me esqueci). As músicas da banda me traziam sentimentos confusos, uma sensação de psicodelia que eu não estava pronta para compreender. Sentia-me flutuando no espaço ao ouvi-las, numa mistura de angústia e ficção científica. Depois, fui saber que sua modalidade musical é chamada de “space rock” (rock espacial) e concordei que não havia alcunha mais exata.
Com o tempo e por influência do meu marido, Leo, fui me acostumando e gostando de algumas composições. Conheci a história da banda, as rixas entre seus dois grandes protagonistas – David Gilmour e Roger Waters -, aprendi a cantar alguns trechos e fui a alguns shows de bandas ‘cover’ em BH. Comprei uma camiseta com os dizeres “Pink Freud” – uma modalidade adaptada – e estava pronto mais um projeto de fã.
Ao ver o anúncio do show de Roger em BH, pensei que não poderíamos perder. Apesar de, convencida pelo Leo, estar do lado de Gilmour na briga, seria uma oportunidade única de ver um ‘ex-Pink’ ao vivo, cantando as músicas que embalam todas as nossas viagens de carro e muitos momentos em casa. Além disso, desenvolvi uma certa simpatia pelo artista ao observar seus posicionamentos políticos corajosos e declarados, muitos deles alinhados aos meus.
Lá fomos nós. No início do show, o telão do estádio exibe uma mensagem narrada: “Se não gosta da política de Roger, vá para o bar!”. Um anúncio do que estava por vir. Mais do que um show de banda, presenciamos um espetáculo de militância política do início ao fim. Roger acusou todos os presidentes americanos desde a década de 80 de serem criminosos de guerra – e expôs os motivos. Criticou abertamente a ocupação de terras palestinas e defendeu uma Palestina livre. Revelou atrocidades ocorridas na guerra do Iraque, enalteceu a pauta LGBTQIAP+, defendeu os direitos reprodutivos das mulheres, bradou contra o racismo e a violência policial. Nomeou vítimas de crimes políticos em diversos países do mundo (citando, inclusive, Marielle Franco), condenou o fascismo, discursou sobre a opressão capitalista, militou pela igualdade e escancarou a ainda vigente necessidade de se vencer a fome no mundo. Sim, tudo isso num show de rock.
Confesso que me surpreendi porque, até o momento, associava a palavra “show” a música. No entanto, pensando melhor, lembrei-me que o rock surgiu exatamente através de um movimento de ruptura com o modus operandi. Talvez, não baste ser feliz, beber uma cerveja e cantar contra o sistema crendo-se ser subversivo. Roger nos traz reflexão e consciência. A diversão ali não era a prioridade, apesar de também estar – e muito – presente.
Admirou-me um senhor de 80 anos usar sua arte, visibilidade e energia para discursar sobre causas tão atuais enquanto poderia estar apenas tranquilo, gozando a vida na Provença francesa. Como pessoa e conforme seu histórico de personalidade forte, pode ser que não seja o colega de banda mais fácil de se conviver. No entanto, é inegável o seu valor.