Um presente especial

Rosângela Maluf

 

Não fazia muito tempo que a discussão ocorrera.

Cada um teclando de seu lugar, seu canto, bem longe um do outro, separados por quase sete mil quilômetros. Vivendo em países diferentes tentavam, mesmo assim, levar à frente uma relação que tinha tudo pra não sair do lugar. Relação? Uma amizade mais do que colorida, bem mais! E nada mais do que isto.

Ela havia decidido não continuar. Ele insistira, pois aqueles encontros virtuais faziam muito bem a ambos. Na realidade, era bom, muito bom, mas sem nenhuma perspectiva de futuro, nada.

Pelo menos três vezes por semana, eles se falavam, mas jamais aos sábados/domingos quando, certamente, ele estaria com a família. Ela nunca quisera saber da intimidade dele. Um avanço que não daria em nada e também um encontro que, provavelmente, nunca aconteceria – nada deveria lhe causar inquietação nem curiosidade excessiva.

Conversavam sobre a vida, sobre as lembranças que ele tinha do Brasil, da cidadania americana, da profissão de pianista, integrante da Sinfônica de NY, dos mais de 20 anos vivendo longe, sem muito apego à família que continuava aqui, no Brasil, em Minas. A mãe falecera já há algum tempo e sua relação com o pai não era das melhores. Tinha um irmão e uma irmã, ambos morando em São Paulo.

Falavam das comidas, das verduras que o seu pai plantava, da taioba e do ora-pro-nobis; do cheiro do pão de queijo implorando por um cafezinho. Do doce de leite que, mesmo de longe, dava água na boca só de pensar. E a delícia dos pastéis da Galeria Ouvidor? Eram muitas as lembranças e muitos risos também.

Um dia ele lhe dissera que havia levado a netinha ao parque.

Pensava na história dos dois, pensava nela e, por pouco não perdera de vista a menina de seis aninhos. Era uma oportunidade para ela perguntar mais, indagar  mais. Esmiuçar, como se diz em Minas. Como sempre, achou melhor deixar pra lá. E nada mais perguntou.

Nesta situação comemoraram seis meses de “namoro”.

Foi então que ela contou que passaria dez dias em uma viagem por Ushuaia, Calafate, realizando, na Patagônia, o sonho que sempre tivera de conhecer as terras do fim do mundo!. Mais uma vez falaram sobre colocar um ponto final naquela história. Segundo ele, seria muito melhor se ela fosse para NY onde poderiam se encontrar, afinal a cidade em que ele morava, ficava a pouco mais de duas horas, seria fácil.

Ela nada mais perguntou.

Como, por que, onde ficaria, por quanto tempo? Achou melhor nem continuar a pensar. De novo a velha historinha que por tantas vezes a levara a querer colocar um ponto final em tudo. Seria melhor. A pequena discussão não deveria, nem mesmo, ter começado.

Despediram-se com o sério propósito de colocarem fim àquela novela. Fora muito bom enquanto durou, mas seria mais sensato pararem por ali.

– Um beijo pra você!

– Outro pra você, fique bem, boa viagem.

E assim foi.

Os dez dias se passaram sem que nenhum recadinho aparecesse no Whats; Por sua vez, ela também não enviara carinhas, coraçõezinhos, nem fotos, nada.

No dia seguinte à sua volta, já no Brasil tentando se recuperar da viagem, o celular tocou. Era ele. Achou melhor não atender. Um pouco mais tarde outra ligação. Ela não resistiu. Respirou fundo, contou de dez até um e disse alô.

Mais de meia hora ao telefone. Saudades, muitas.

– Conta da viagem. Senti sua ausência. Você me fez muita falta. Estou aqui, em Coney Island. Tivemos folga por três dias e vim pra cá com uns amigos. Espere um minuto, vou só me molhar um pouco. Tá muito quente, lembre-se que faz calor por aqui também. Rapidinho, me espera aí…

Colocou o celular voltado para o mar, a imensidão do mar.

Uma cena bonita. Ele dirigindo-se pra água. A areia, as ondas e o verde escuro das águas. Ela admirando aquilo tudo. Ele voltou. Falaram da praia, do céu colorido de um alaranjado claro, afinal a diferença de horário era de apenas uma hora, aqui à frente de lá. O entardecer nos dois locais

– Tenho um presente pra vc.

– Como assim?

– Só um minuto.

Ele mexeu no celular, as imagens confusas, dançando em suas mãos.

Acertou a câmera e apontou para o sol que começava a se por.

Agora, o céu colorido por um laranja intenso.

O sol se pondo, inteirinho sobre as águas.

Ela ficou emocionada, nunca havia, até então, ganho um por do sol como presente.  Em silêncio, permaneceram os dois, olhando aquela maravilha e ela, sem saber o que pensar, o que falar. Um minuto, três, seis. E o sol tornou-se uma fina lista dividindo o céu e o mar.

Ela não sabia o que dizer. Sentia-se agradecida pelo presente tão original, Um outro encantamento tomou conta do seu coração.

O que falar depois disto tudo?  E na última imagem, o sol já não estava lá. Apenas a claridade e o colorido maravilhoso do céu naquele instante.

Do nada, ele desliga o celular, sem sequer lhe dar a chance de agradecer, de falar no quanto aquilo tudo mexera com seus sentimentos. Sentia despertar em si um sentimento imenso, seria amor? Como amor? Sem nunca tê-lo visto, sem conhecer o seu cheiro, seu gosto. Sem saber como seria sua vida pessoal. Nada importava naquele instante. O coração acelerado, a cabeça fervilhando. Será que ele ligaria de novo, mais tarde?

Ele não ligou. Nem no dia do presente especial nem depois.

Já estava certa de que o por do sol servira pra, finalmente, colocar um ponto final naquela historinha deliciosa. Enfim, não era o que ela já lhe havia proposto antes? Meio desanimada foi pra cama mais cedo. Levou consigo uma taça de vinho. Abriu o livro que pensou terminar naquela noite mesmo. Ligou o Spotify para ouvir Coldplay e pouco depois, pegou no sono.

No dia seguinte, nenhum recado, nada.  Uma semana se passou e nada.

Naquele dia, voltou do almoço, feliz com o encontro com as amigas.

Em casa, já mais tarde olhou o celular, uma mensagem no Whats:

– Voando pra BH, na próxima semana.

Beijos.

Te amo.

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