Categories: Daniela Piroli Cabral

Fragmentos do caminho

Fragmentos do caminho – Fonte: Pixabay
Daniela Piroli Cabral
danielapirolicabral@gmail.com

Fragmentos editados da carta escrita à mão em 12 de abril de 2023, como requisito para participar da seleção da caminhada do sertão e a mim devolvida em outubro de 2023, como memória da experiência vivida:

Escrevo para dizer do meu coração, dos meus afetos, o que reflete os meus desejos e exprime um pouco quem eu sou. (…)

Vivo na urbanidade, mas escapo sempre que possível para a natureza. Fuga? Gosto de caminhar para me encontrar, embora, às vezes, me perca. Mas sei que perder-se também é caminho.

(…) Desejo sentir os cenários, reais e ficcionais, da história de amor de Riobaldo e Diadorim. Amor e morte. Medo e coragem. Luta e fé. Desejo viver o sertão que é do tamanho do mundo. Desejo passar dias diferentes da minha etecétera vida.

Escrevo a carta à mão, como há muito tempo não escrevo, a caligrafia já não é a mesma, agora está torta e enferrujada pela monotonia do digitar. (…)

Escrevo a carta à mão, como gesto ontológico, assim como o caminhar a pé, para dizer que procuro na experiência a partilha e a vivência da minha própria ética. Descobrir-me. Explorar. Revelar-me.

(…) A caminhada é sempre arriscada, pelos deslocamentos, mudanças, pelo mundo ao redor. Imprevisibilidades do meio, abertura, vulnerabilidade. (…) A caminhada tem um potencial transformador, ela apura os sentidos, decanta os sentimentos. Ela suspende o automatismo da vida em constante aceleração e faz frente à lógica do utilitarismo. A caminhada transforma-se, assim, em ato ético-político, de re-existência.

Após a pandemia, a terra encontra-se em transe, em crise de sentido, em guerras, visíveis e invisíveis. Precisamos humildade para saber discernir o que é essencial, renunciar às falsas verdades e ao individualismo. Viver é coletivo, plural e perigoso.

Mas como é impossível decifrar a imensidade da vida (…) caminhar vem fazer oposição ao ritmo frenético dos carros, dos passos, dos pensamentos e das telas. Caminhar é se apropriar da própria condição humana, para ocupar e (des)invisibilizar territórios, para criar raízes, para fortalecer vínculos e identidades.

Caminhar é forma de criar paisagens, atravessar o tempo, transcender e fazer laço. É possibilidade de inventar a vida a cada novo passo.

 

Daniela Piroli Cabral

Share
Published by
Daniela Piroli Cabral

Recent Posts

Ainda pouca mas bendita chuva

Eduardo de Ávila Depois de cinco meses sem uma gota de água vinda do céu,…

3 horas ago

A vida pelo retrovisor

Silvia Ribeiro Tenho a sensação de estar vendo a vida pelo retrovisor. O tempo passa…

1 dia ago

É preciso comemorar

Mário Sérgio No dia 24 de outubro, quinta-feira, foi comemorado o Dia Mundial de Combate…

2 dias ago

Mãe

Rosangela Maluf Ah, bem que você poderia ter ficado mais um pouco; só um pouquinho…

2 dias ago

Calma que vai piorar

Tadeu Duarte tadeu.ufmg@gmail.com Depois que publiquei dois textos com a seleção de manchetes que escandalizam…

3 dias ago

Mercados Tailandeses

Wander Aguiar Para nós, brasileiros, a Tailândia geralmente está associada às suas praias de águas…

4 dias ago