Fragmentos editados da carta escrita à mão em 12 de abril de 2023, como requisito para participar da seleção da caminhada do sertão e a mim devolvida em outubro de 2023, como memória da experiência vivida:
Escrevo para dizer do meu coração, dos meus afetos, o que reflete os meus desejos e exprime um pouco quem eu sou. (…)
Vivo na urbanidade, mas escapo sempre que possível para a natureza. Fuga? Gosto de caminhar para me encontrar, embora, às vezes, me perca. Mas sei que perder-se também é caminho.
(…) Desejo sentir os cenários, reais e ficcionais, da história de amor de Riobaldo e Diadorim. Amor e morte. Medo e coragem. Luta e fé. Desejo viver o sertão que é do tamanho do mundo. Desejo passar dias diferentes da minha etecétera vida.
Escrevo a carta à mão, como há muito tempo não escrevo, a caligrafia já não é a mesma, agora está torta e enferrujada pela monotonia do digitar. (…)
Escrevo a carta à mão, como gesto ontológico, assim como o caminhar a pé, para dizer que procuro na experiência a partilha e a vivência da minha própria ética. Descobrir-me. Explorar. Revelar-me.
(…) A caminhada é sempre arriscada, pelos deslocamentos, mudanças, pelo mundo ao redor. Imprevisibilidades do meio, abertura, vulnerabilidade. (…) A caminhada tem um potencial transformador, ela apura os sentidos, decanta os sentimentos. Ela suspende o automatismo da vida em constante aceleração e faz frente à lógica do utilitarismo. A caminhada transforma-se, assim, em ato ético-político, de re-existência.
Após a pandemia, a terra encontra-se em transe, em crise de sentido, em guerras, visíveis e invisíveis. Precisamos humildade para saber discernir o que é essencial, renunciar às falsas verdades e ao individualismo. Viver é coletivo, plural e perigoso.
Mas como é impossível decifrar a imensidade da vida (…) caminhar vem fazer oposição ao ritmo frenético dos carros, dos passos, dos pensamentos e das telas. Caminhar é se apropriar da própria condição humana, para ocupar e (des)invisibilizar territórios, para criar raízes, para fortalecer vínculos e identidades.
Caminhar é forma de criar paisagens, atravessar o tempo, transcender e fazer laço. É possibilidade de inventar a vida a cada novo passo.
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