Minha bisavó tinha a pele escura.
Ela mal falava português. Usava palavras em árabe quando precisava dizer alguma coisa mais complexa.
Seus cabelos eram pretos e longos, e não brancos como os das bisavós normais.
Ela tinha os olhos fundos com olheiras. Era magrinha e usava vestidos de algodão.
Lembro-me dela, apesar dela ter falecido quando eu tinha 9 anos.
Uma vez, entrou um boi em sua casa. Enquanto a boiada passava na rua, um deles desgarrou e invadiu sua sala de visitas. Estava agitado e quebrou vários objetos, derrubou móveis e toda a cristaleira. Foi difícil expulsá-lo de lá.
Minha bisavó nasceu no Líbano e veio para o Brasil fugindo da guerra. Guerra essa que nunca terminou. Guerra essa que continua a explodir no epicentro de sua região de origem.
A partir dela, vieram minha avó, minha mãe e viemos todos nós. Vieram tradições, costumes e receitas árabes. Veio a mania de abraçar apertado, vieram os quibes, doces, charutos e todos os tipos de preparos com berinjela. Vieram algumas palavras e frases que aprendi quando criança e que nunca consegui pronunciar corretamente. E veio um certo orgulho de termos nossas raízes em uma cultura tão rica, embora seus carreadores fossem pessoas muito simples.
Minhas primas são morenas como libanesas. Algumas de minhas tias também. Os traços árabes perpetuaram-se em nós, seja no nariz, no cabelo ou nas grossas sobrancelhas.
É impossível não se sensibilizar lendo as notícias da guerra que explodiu novamente essa semana. Impossível não sentir dor e pesar pelo que acontece no oriente com pessoas muito parecidas conosco.
Impossível não lamentar o ponto a que chegou o terrorismo, o estrago feito, o sofrimento. É como se fosse a dor de nossos primos.
Não entendo nenhum lado como certo. Apenas sinto profunda tristeza. E penso em quem consegue fugir da guerra, sobreviver, vir a formar sua família e perpetuar uma linhagem.
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