Peter Rossi
Ainda me sinto arrebatado por uma história de amor daquelas que possuem todos os ingredientes para colar em nossa memória e não nos deixar órfãos de incríveis sensações, de um gozo infinito.
Caiu em minhas mãos um livro de capa azul e amarela com dois nomes em especial destaque: Frida e Trotsky. Confesso minha curiosidade foi despertada pela figura de Frida Kahlo. O imaginário de suas cores, seu visual tão destacado do cinza daqueles tempos. Suas sobrancelhas em uma só, emoldurando olhos atentos, espertos, porém pequenos. Uma mulher forte e decidida. De Trotsky, remansava a minha lembrança apenas a sua liderança política, arrefecida pela crueldade de seus adversários.
Tinha ouvido falar de que se conheceram quando do exílio dele no México e que teriam tido um encontro especial.
O livro me trouxe, entretanto, outro viés. Me fez ler, ver e sentir uma linda história de amor que superou obstáculos os mais diversos e que, efetivamente, teve um final feliz, embora representado pela distância entre os dois amantes.
A vida tem dessas coisas: paixões arrebatadoras que às vezes valem mais do que amor de uma existência inteira. Para os dois envolvidos, tenho a noção exata que assim se deu. Amaram tanto, em tão pouco tempo, que esvaíram suas almas em delírios infinitos.
Viviam tempos diferentes, mas, juntos, professaram verdadeira amálgama, como se um só fossem. O complemento entre o côncavo e o convexo. O abraço antropofágico.
À beira do rio, numa grama pantanosa, esfregaram seus corpos como se há tempos desejassem o que acabava de acontecer. Mais que isso, continuaram a esfregar seus pensamentos, mesmo na distância, na infame condescendência de que não deveriam mais se encontrar.
Mas sempre se falaram, e da forma mais inusitada, falaram de amor através dos livros trocados. Na verdade, trocavam livros, como se bilhetes de amor fossem. Em cada um deles sublinhavam palavras específicas que os obrigava à leitura integral do texto e a construção das frases ao final da obra. Assim, não trocavam bilhetes, mas livros de amor.
Na sobriedade das capas duras das obras de arte literária, sobrevinham convites os mais obscenos e desejosos. Saltavam beijos lânguidos e abraços insistentes.
Frida e Trotsky viveram, em pouco mais de um ou três meses, encontros tantos e tão intensos que o vazio que sobreveio a tudo isso foi inexpugnável.
A bem da verdade foi essencial que se separassem, mais conveniente, porém, que nunca deixassem de lembrar um do outro. Almas tão diferentes, origens tão antagônicas, mundos tão diversos.
Como sorveram a alma um do outro. Se abasteceram de vida. Oxigenaram suas veias. Aproveitaram a essência de cada minuto, como se o próximo não viesse a acontecer. Foram prevenidos: amaram tanto que a questão do tempo, a ampulheta a medir a duração dos encontros é o que menos importava. Amaram o que puderam amar, no infinito de suas paixões.
Como meninos travessos trocavam juras de amor no deleite da leitura de páginas memoráveis e, assim, acabaram por ditar, em pouquíssimos parágrafos, uma pequena grande história.
O vazio do tempo serviu apenas para mensurar quão completa foi aquela relação impensável, indefectível. Uma mulher aparentemente tão frágil encontra um ídolo a quem considerava uma das mais privilegiadas mentes do seu mundo, mas, no meio de tudo isso, aflora a paixão arrebatadora e todos esses valores são deixados de lado. O pensador idealista e a pintora deram lugar a dois corpos abraçados a descobrir, sobre a grama pantanosa, que o momento prescinde de predicados. O inusitado às vezes acontece, como já se disse. E, como inusitado, deixa marcas tão firmes e sólidas que imprimem no itinerário das vidas dos envolvidos uma rota irretornável.
Esse é o amor, a seta certeira no alvo da nossa absoluta essência. Um brinde à Frida e ao Trotsky, que no rompante de um certo pouco tempo gravaram uma bela história, que até hoje é relembrada, invejada, admirada. Uma história que viveu após o fim, e do fim se fez maior. Curioso que nenhum discurso de Léon ou qualquer pincelada da Frida foram suficientes a aplacar a intensidade do que viveram. A história nos traz a ideologia dele, traz também a arte dela, mas não consegue se desvencilhar de que, a par de tudo, obrigatoriamente há de falar aos que ficam, isso aos quatro ventos, que se amaram, e como se amaram.
As páginas dos livros, as frases construídas, sustentam a melhor das histórias. Fossem ou não quem foram, e isso é apenas um mínimo destaque a nominar os partícipes, importa relembrar o que de fato viveram, aninhados ali, não só nas folhas de papel ou na grama manchada de barro num pobre país de língua espanhola, mas nos olhares que só os amantes podem trocar.