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Essa figura sou eu

Silvia Ribeiro

Me sinto prestigiada quando alguém diz.

Você não aparenta a idade que tem ou logo que me perguntam qual é a fórmula. É como se fosse um carinho na minha autoestima e um dengo a mais no meu coração.

É aquela hora em que você para e pensa:

Alguém está tentando ser amável com a sua vivência, e se importando com as marcas que o tempo construiu. E isso transforma absurdamente o desfecho do nosso espelho.

Aí me lembro da minha pitoresca infância e da minha ensolarada mocidade. Principalmente do instante em que pisei no mundo sem graça de gente grande, pensando que tudo aquilo fazia parte da minha casinha de brinquedos e que eu poderia escolher quem iria brincar.

Pra minha incredulidade concluo que aquele insubordinado bicho-papão que morava debaixo da minha cama deixou de ser um monstro feio, e passou a ser um reles medo que durante boa parte da minha realidade eu alimentei. Com direito a papinha na boca e tudo mais.

Recordo até da minha incandescente aborrecência.

Penso nos amores que eram todos enfeitados de imortalidades sem um mínimo de critério, e isso agrava o meu sentido de cuca fresca. Ainda bem que tudo não passou de uma aflita vontade de ser a moça do “foram felizes para sempre”.

Dou uma revisada nos meus favoritismos musicais e em todas as canções que viraram a minha trilha sonora e contaram os meus segredos. E lá estão elas, as vezes colocando a boca no mundo, ou puramente falando de amor.

Me empolgo com a minha maneira de não recuar diante dos obstáculos, com o meu crer pra depois ver, e com aquele meu olhar genuíno colorindo o mundo depois de um dia cinzento. Isso ainda existe.

Busco pelas viagens que me levaram para um universo digamos encantado. Momentos que me ofereciam as melhores alegrias, que mudava os meus paradoxos, que tirava um pouco do meu juízo, e que me deixava ser o que eu quisesse.

Aquele lugar fala das sensações que deram ao amor a chance de ser livre e de me encontrar. E por incrível que pareça, eu ainda posso pisar naquele chão e sentir aquele gosto.

Um palco que fazia os meus olhos brilharem feito criança em dia de festa, que não entendia de amanhã, e que nem sequer sabia qual seria o seu próximo destino. Lá tem muita saudade combinando uma próxima vez.

Avisto flores e espinhos falando de mim como se cada momento da minha vida tivesse sido traçado por eles, e fico sem saber quem foi o mais falante, as flores, ou os espinhos. E nesse ínterim acho melhor plantar novas mudas.

Um filme com personagens antológicos toma a minha mente como numa tela enorme de cinema chamada tempo. Muitas vezes não me reconheço nem caibo dentro daquelas vestimentas de emoções, e isso me faz me mover na cadeira. Parece que eu não tenho mais tantas buscas e que preciso de muito pouco pra ser feliz.

Eu sei que a vida na maioria da sua trajetória não aceita mancadas e nem se dá bem com segundas chances. Algo que pode soar um tanto quanto marrento demais, já que estamos tentando manter as rédeas das nossas carruagens nas mãos. Ou elas gritam por liberdade, ou nós calamos a sua voz pra sempre.

Queremos ter o nosso condão e inventar os nossos príncipes e as nossas princesas.

Não posso redirecionar desvios e nem parabenizar as minhas proezas conforme as minhas escolhas. Muito menos posso ser a inventora da borracha mágica, aquela que apaga tudo aquilo que não lhe parece mais bonito e que não provoca mais arrepios. Ainda assim, creio que alguns vendavais podem ser brandos dependendo do cartaz que lhe damos.

Não vou negar que tenho uma vasta lista de atitudes que eu faria diferente, se acaso fosse possível. Variados dissabores me pegaram de surpresa e me deixaram com um gosto insosso de guarda-chuva na boca, e uma ressaca daquelas que prometemos que nunca mais vai acontecer.

Digo até que alguns rostos era melhor não ter visto.

Com todos os prós e contras admiro essa maturidade com ilustrações desenhadas por mim mesma e totalmente resguardada de opiniões ou aprovações. Concordo com esse meu nariz arrebitado dizendo pro mundo que tem dona, com a aptidão do meu salto indo em busca de refrescar as suas sandices, e com o meu impulsivo batom vermelho acolhendo a vida.

Quero sempre por perto esse meu cair e levantar, os meus joelhos ralados rua afora, as minhas tragédias parecendo aquelas piadas bobas, os meus pesadelos sem ter por onde ir, os meus suspiros chorosos, e os meus ombros se sacudindo toda vez que uma cortina se cerrou.

Memorizo todas essas histórias e me vejo lá inteiramente descoberta, letra por letra.

E penso:

Essa figura sou eu.

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