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Até o próximo inverno

 

Silvia Ribeiro

Não faz muito tempo eu quis usar o termo “esnobe”.

Mas isso me deu um certo desconforto causando o receio de uma provável ofensa. Imaginei que eu poderia ser cambaleante nos meus achismos e isso insultaria os meus preceitos, sendo que tudo o que eu queria naquele momento era ser uma boa anfitriã.

Tenho muito constrangimento quando se trata de magoar as pessoas e de deixá-las numa condição de menosprezo. As vezes até penso que isso é um instinto maternal rondando as minhas atitudes, ou algo do tipo.

Verdade seja dita!

Claro que as vezes acabo me descuidando e esquecendo a boa e velha receita, faça aos outros o que gostaria que fizessem com você. É uma alquimia que não tem segredo e funciona.

Não dá pra medir o que se passa nos anseios dos outros e nem traçar um limite racional quando se envolve sentimentos e todo um universo particular que não temos o menor domínio.

No entanto quando coloco a cabeça no travesseiro eu sei que ele me entende sem me perguntar a cor do meu dia, e por vezes me consola dizendo que o ocorrido não foi intencional, me dando a opção de não me chicotear. Ainda assim vou até o último suspiro pra me redimir, nem que seja apenas com os meus botões.

E diante de toda a parafernália de culpas e remissões resolvi fazer uma inversão e experimentei usar a palavra “sofisticado”. Isso me pareceu mais coerente com o que eu pretendia e menos pigmentado. Dessa forma evitaria o julgamento somente pela capa sem me dar a oportunidade de vivenciar o conteúdo.

Sempre tive um olhar torto pra essa gente que se acha a última bolacha do pacote, se apoderando de um pedestal que muitas vezes lhes são indignos. Em nome de um diploma, de uma conta bancária, de algumas curtidas na internet, e sei lá mais quantas inutilidades.

E pra minha surpresa presenciei um alargamento de simplicidade dado apenas aos grandes mestres, uma delicadeza de generosidade que se encontra apenas em corações fecundos, um ar puro que surgia não sei de onde e mudava a minha respiração, e uma maciez de alma que me lembrou o meu edredom.

Senti uma vontade enorme de me cobrir naquela pessoa, de recitar a sua sabedoria para todas as luas, de simbolizar o seu sorriso com massinha de modelar, de me refrescar no seu humor como água de chuva, e de deixar a sua voz dentro de mim feito canto de passarinhos.

E fui…

Fiquei enroladinha na doçura das suas palavras, me diverti com o seu olhar dançante, falei de poesias e de cartas de amor, tomei chocolate quente, rezei e pedi aos céus que nunca me tirasse dali, e quando me cansei simplesmente dormi.

Se procurares por mim é por lá que eu vou estar até o próximo inverno.

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Tags: Amor

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