Reencontro

Peter Rossi

À minha Tia Leila

 

A vida é pródiga em nos ceder oportunidades e nós cegos e surdos ao não percebê-las. Pessoas que em determinado momento ficaram à margem, mas que poderiam ter agregado tanto. Pessoas que tanto admiramos, seja pela cultura que têm, pelo fino trato que dispensam, pela áurea que emanam, acabam saindo do raio de ação, e achamos que é normal que isso aconteça.

Claro que não! Quão tolos somos!

Pessoas o são não apenas momentaneamente, ao contrário, se perpetuam como tal. Nós que, na montanha-russa das expectativas da vida, sempre de rompante, decidimos de forma diferente.

Mas o tempo é senhor da razão. Ah, como isso é verdadeiro! E é tão bom que, mais experientes e, por isso mesmo mais cautelosos com o dispêndio de energias fugazes, conseguimos engendrar situações em que pensamos poder colocar o trem nos trilhos. Não dos outros, é preciso esclarecer, mas os nossos, próprios!

E, nessas esquinas da vida, com luzes de fim de tarde em viés sobre os caminhos, a iluminar paulatinamente meus passos, me foi permitido dissipar as ausências. Não me fiz de rogado, pelo contrário, abracei a oportunidade como a última boia após o naufrágio. E aí falo de mim, aquele barco fez água porque não fui bom timoneiro. Como as coisas aderem a uma espiral maluca. Me rendo à matemática e pego emprestado o símbolo do infinito. Perfeito! Ele dá voltas em si mesmo.

Acreditei que era possível o reencontro, e como foi prazeroso! Como inundou meu coração, como me fez feliz e pertencente. Ali está meu residual, as origens do meu pai, que tanto amei.

Os braços, de tão abertos, circundaram meu corpo e me senti completamente agasalhado. Como perdi tudo isso? Bobagem, hei de comemorar que ainda tenho sensibilidade ao tato e posso desfrutar de um convívio tão bom.

O que passou, passou. O que não aconteceu, também passou. Vale o agora, essa é a ordem! Vale aproveitar os minutos, os instantes, os olhares, os sorrisos, o querer bem. Vale sentir o gosto da gelatina colorida e o calor dos raios de sol entre as árvores, naquele paraíso. Vale a conversa, as risadas, o descortinar das lembranças, as saudades.

Portanto, minha tia, se aprume, temos muito que conversar, ainda que não tenhamos nos falado por tanto tempo. Existem ainda oportunidades infinitas para atualizar nossos sentimentos, tenho diversos livros pra comentar com você. Logo você, tão culta! Nossas afinidades são muitas, e a admiração também, mas calhou que fosse assim. Só agora tivemos ou nos demos essa oportunidade, portanto, vamos desfrutar de tudo isso.

Aqui volto ao início – a vida é dadivosa, ela nos permite usufruir do reencontro e esse, afirmo com certeza àqueles que ainda não vivenciaram, é muito melhor!

Já dizia meu poeta popular favorito “ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”! Que lindo isso! Obrigado vida, se antes eu me escondi, por qual motivo fora, hoje estou estandarte, “botando meu bloco na rua” e procurando resgatar cada migalha de verdade, de passado, de oportunidades que ignorei. Eis-me aqui pronto a atender todos os meus reclames, alegre e confiante de que nossas origens são indispensáveis.

Você, tia, certamente esteve lá quando eu nasci e enfrentei todos aqueles problemas. De uma forma ou de outra colaborou para que eu vencesse. Faz parte da minha vida, portanto.

Já estou separando uns temas pra falar com você, além das fofocas de família que são absolutamente saborosas. Acho lindos seus olhos azuis! Temos muito que conversar.

Te espero.

3 comentários sobre “Reencontro

  1. Mais um texto maravilho.e, certamente, você terá muito tempo para conversar com sua tia e, porque não, comer da Gelatina colorida que você tanto gosta e ela faz tão bem.

  2. ” Obrigado vida, se antes eu me escondi, por qual motivo fora, hoje estou estandarte, “botando meu bloco na rua” e procurando resgatar cada migalha de verdade, de passado, de oportunidades que ignorei.” Adorei! Me identifiquei! Seus textos são maravilhosos.

  3. Que texto maravilhoso.Vc me despertou para os reencontros familiares .Como é bom reviver as pessoas que fizeram parte das nossas vidas.
    Vou aproveitar o feriado para fazer umas visitas.

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