Rosangela Maluf
Durante os tempos da nossa bem vivida juventude, ele dera muito de si enquanto eu voltava sempre vazia, ao meu ponto de partida. Pouca esperança de avanços promissores. Faltava alguma coisa ainda por descobrir. Eu imaginava que haveria outros corpos sem carícias, outros olhares sem brilho, beijos sem sabor, até que surgisse o grande amor de que todo mundo falava – não era assim?
Às vezes, sonolenta em minha cama, não queria acordar naquelas manhãs frias de domingo. Me fazia bem recordar as singelas alegrias, as risadas, a despreocupação, a eternidade dos momentos cheios de significado. Não sabia o que pensar de tudo. Em certos dias acordava otimista e cheia de esperança, em outros dias, nem tanto. Nostálgica. Entristecida.
Rendia-me à eternidade dos instantes mágicos já vividos e ao mesmo tempo, ao abandono dos momentos incertos ainda por vir. E pensava se seria mesmo ele, o homem a quem eu mais amara ou aquele que eu mais desejara até então. O rei dos meus sonhos noturnos. Suspiros. Sussurros.
De lado eu deixava as bebedeiras. Os excessos de álcool, de sexo, de fumo. Pesadelos, fantasias, medos e procurava tratar dos meus rápidos esquecimentos. Deixava de lado as amigas. As muitas amigas. As amigas do peito, as quase irmãs.
Por ele eu deixava tudo, nem era preciso pedir.
Que viessem versos sem verbos.
Folhas de ódio e rancor.
Valsas bêbadas.
Violinos sem corda nenhuma.
Estrelas que sequer sabiam piscar.
Seria eu uma pessoa normal? Diferente de todas as outras?
Não sabia o que pensar, nem o que sentir. De outros homens guardei apenas alguns rostos que insistiram em chegar até a mim, como se fossem presentes, mensagens de vida, pactos eternos. Possíveis felizes para sempre? Algum presente de aniversário? Prêmios da loteria? Um sorteio? Artista de TV? Não conseguia avaliar.
Houve miragens de amor, corpos gelados sem gosto, sem cor, sem sabor. Houve tesouros enterrados, pérolas falsas, anéis sem brilhantes. Diálogos sem palavras. Livros sem letras. Canções não musicadas. O que foi mesmo que se passou comigo?
Hoje, jogada nesta casa de repouso, assisto o tempo que ainda insiste em passar veloz diante de mim. Ainda me pego recordando o imenso encantamento daquele a quem não soube jogar meus laços, estreitar os nós. Ou talvez, levá-lo com doçura até a jangada onde pensei lançar-nos em alto mar. Ou para a rede montada entre dois coqueiros na praia que eu mais gostava. Corpos nus sobre a areia, em noites de lua cheia. Muitos beijos. Abraços sem fim. O que foi que fizemos de nós? Onde foi parar o nosso amor? Serei eu eternamente a responsável pelo que fizemos de nós?
Releio cartas antigas.
Leio ainda. Sim, cartas.
Escritas com a certeza da sedução. No calor da distância, nos momentos de saudades e de ciúmes. A presunção da juventude. A sensualidade disfarçada. O futuro tão distante. A velhice impensável.
Hoje, choro por aquele rosto que não consigo apagar.
Choro pelo esquecimento que não vem.
As cores apagadas.
Promessas de cinzas.
Sinto-me dividida entre a fuga e a vontade de saber mais sobre ele. Fugir dessa sensação obscura de estar sempre sendo puxada pra baixo. Uma mecha insiste em me cair sobre a testa. Afasto dos olhos essa asa leve e frágil que me cobre a memória. Nada vejo agora.
Como num sonho, levanto-me e, sem ruído saio. Sinto como se a rua me engolisse, e fico feliz por ser assim devorada pela multidão que vem rapidamente, correndo entre os prédios dessa imensa e larga avenida. É assim que sonho…
Sem mais tristezas, sou tomada por um sentimento diferente: sinto-me bem por estar viva. Apenas isto me basta agora.
Respiro fundo, conto de um até três. Penso nele uma vez mais. Acredito que a sua imagem logo desaparecerá. Na fumaça de minhas lembranças. Nas convulsões dos sentimentos por tanto tempo guardados.
Ou como sombras, em meio a colunas de uma catedral de sal.
Rosangela, desta vez você me fez chorar.
Um choro contido pelo tempo. Ah, este tempo que corre tentando apagar nossas lembranças. Suas palavras trouxeram algumas destas lembranças, quase apagadas pelo tempo e, com elas, uma tristeza compreendida mas inexplicável.
Parabéns amiga. Você tem dom da palavra e da escrita. Que fazem um bem enorme nestas manhãs preguiçosas de domingo .
Espetacular!!!! Disse tudo que muitas vezes acontece….. será??!!!! E se….??!!! Muitas vezes me pego pensando assim!!! Acho que depende da época, estamos mais melancólicas e vamos procurar lembranças lá no fundo!!!!! Parabéns!!!! Bjs!!!!
Rosângela,desta vez vc esteve “demais”.Parabéns!!!
Mestra…novamente senti como se fosse a personagem e como foi tão real a narrativa!Quanta maestria para escrever e fazer o leitor viajar …sensacional!!!Parabéns!!!
Bonito texto. Nostálgico.
Ahh……….Rosa
Vc sempre nos surpreendendo.
Parabéns.
Parabéns pelo belo e envolvente texto.