Esta semana resolvi fazer uma faxina no escritório. Depois de muito labutar com milhares de livros, isso mesmo, milhares (!), organizando por temas e ordem alfabética, as coisas acabaram dando certo. Gastei alguns minutos admirando o resultado da empreitada. Uma boa taça de vinho branco bem refrescante e parti para os meus discos antigos.
O universo, no caso das bolachas é infinitamente menor, nem por isso menos atraente. Devo ter perto de cem discos apenas, mas todos muito bem cuidados. Cada LP em sua capa, com um plástico interno protegendo o vinil e outro externo, zelando pela capa.
Nesse caso, separo por nacionais e estrangeiros e dentro de cada grupo a bendita ordem alfabética. Parece até toque, meu Deus!
São necessários alguns minutos admirando cada capa, lendo as letras das músicas nos encartes e manuseando aquelas joias raras.
Apesar de serem obras do passado, e aqui me refiro aos long-plays, são absolutamente atemporais. Sem nenhum paradoxo! Na verdade, os LP´s já viviam à frente de seu tempo. As capas multicoloridas já tinham um ar futurista. Hoje estão bem acomodados e ainda muito admirados.
Claro que as novas gerações não têm o mesmo apego, até porque a estante mais próxima que reconhecem é a tal da nuvem, algo que ainda tenho certa dificuldade para assimilar.
Mas quem teve a oportunidade de ver aquela bolacha preta rodando com uma agulha a rasgar suas entranhas, fazendo soar a voz afinadíssima de Gal Costa, ou lirismo das letras de Belchior, balbuciadas numa interessante voz rouca, sabe bem do que estou falando.
Era um verdadeiro frisson aguardarmos o último trabalho de Caetano, de Gil e de Roberto Carlos. Corríamos até a loja de discos – algo que não existe mais – e com o LP debaixo do braço logo colocávamos “o som” pra funcionar. Os aparelhos, as vitrolas ou eletrolas tinham o moderno apelido de “som”. Simples assim: som!
Escutávamos, escutávamos, em absoluto silêncio. Não era uma trilha sonora apenas, mas o concerto principal. A gente ouvia música ouvindo música e não como atividade complementar a outra que estivéssemos fazendo, como ler ou montar um quebra-cabeça. Não! Ouvir o LP era uma atividade solene que esgotava em si mesma!
Convivíamos com os arranhões e com os tropeços das músicas. Aquilo doía em nós. Pegávamos o disco, lustrávamos com uma flanela invariavelmente amarela, soprávamos as agulhas das eletrolas e torcíamos para que nada de errado acontecesse.
Manuseando cada um dos discos, viajei para fases diferentes de minha vida. Na adolescência, protestando com Geraldo Vandré, aprendendo Fernando Pessoa com Bethânia e começando a entender Cecília Meirelles na voz rascante do Fagner.
Muitas emoções, diria o rei, “são tantas emoções”.
Daí porque tanto carinho a nossa geração tem com relação aos vinis. Eles são passaportes, bilhetes para o cinema de nossas vidas. No escurinho, sentado na poltrona com os olhos fechados, descortina a tela e percebemos o quão felizes fomos.
Ora, se é assim, nada mais justo do que colocar o disco pra rodar e deixar que vida passe de través, ainda que cansada e sonolenta, mas com ouvidos abertos e atentos para a trilha sonora que compõe tudo que somos. O amor é assim, às vezes se veste de preto e roda continuamente ao redor de nossos olhos, sempre a cantar.
Como é bom ouvir um long-play!
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O seu lindo texto ,me vez reelembrar a minha adolescência. Que delícia era poder comprar um disco de vinil, digo bolacha, e convidar as amigas para ouvirem o lançamento do nosso ídolo.
Momento esse, super emocionante compartilhado com alegria com todos.
Tempos bons!! muitas emoções eu senti.....