Taís Civitarese
Sábado teve festa para as mães na escola das crianças. O traje oficial era uniforme. João Pedro acordou cedo, vestiu-se, passou gel no cabelo, calçou meias brancas e umas chuteiras velhas que estavam guardadas no armário. Eram tão velhas quanto possível, tendo passado por duas gerações de pés futebolísticos, os dele e os do irmão. Estavam esfoladas, de solas gastas, com o couro descascado (ou seja lá qual material era aquele) e ainda tinham os cadarços neon.
– Meu filho, tanto tênis bom! Para que ir com essa velharia? Troque o sapato! – Falei.
Ele insistiu em usá-las. Disse que queria mostrar ao seu colega Caio que tinha chuteiras iguais às dele. Como era um dia festivo e o argumento inspirou certa doçura, evitei discutir e deixei que fosse daquele jeito mesmo, fazendo-o prometer que seria o último uso.
Chegamos ao colégio e as crianças dirigiram-se a uma arquibancada suspensa no ginásio, de onde cantariam músicas e se apresentariam para os pais. Estes, sentaram-se em cadeiras dispostas pela quadra, embaixo, para acompanharem o show.
Encontrei um lugar e olhei para aquelas crianças todas de uniforme, sentadinhas lado a lado, no alto. Não havia a menor possibilidade de eu enxergar ali o João Pedro. Eram centenas de pequenos rostos parecidos de longe, usando blusas brancas e com os cabelos em tons de marrom.
Pensei em filmar a apresentação em geral e, mais tarde, em casa, procurá-lo olhando um a um com o recurso do zoom. Daria um “tchau” genérico de onde estava e teria que mentir dizendo que havia acompanhado seu bailar de mãos e braços e sua presteza na letra das canções.
Foi quando enxerguei algo brilhando na multidão. Eram eles, os cadarços laranja neon das chuteiras do João Pedro. Um pouco acima delas, o João.
Graças àquele sapato velho, consegui identificar meu menino entre todos aqueles e pude vê-lo cantar alegremente as canções do “Dias das Mães”.
A sabedoria das crianças vem de outros planetas, de outras sensibilidades e de outras considerações.