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Babilônia Tropical – A Nostalgia do Açúcar – mexendo nas águas da colonização brasileira

Babilônia Tropical – A Nostalgia do Açúcar peça teatral estreada no dia 12 passado, no Centro Cultural do Banco do Brasil-BH, conforme o próprio nome indica, a obra aponta para brigas, domínio de território e de culturas por impérios diversos, não daqueles a mais de 1.800 a.C., mas da colonização brasileira. Um recorte é feito na história e a trama se desenvolve quando houve a invasão Holandesa no Nordeste, em Pernambuco.

No século XVII o estado de Pernambuco produzia açúcar e lucros para Coroa Portuguesa. Esse era o contexto brasileiro quando os holandeses invadiram o estado por 24 anos, de 1630 a 1654, financiados pela Companhia das Índias Ocidentais. E, o espetáculo traz a memória de Anna Paes, mulher com pensamentos e comportamentos conforme a branquitude.

Branquitude é o significante que marca a obra. Ele é observado no cenário onde uma obra de arte, perene – porque sua durabilidade não chega até o final de enredo. Sua construção continua no transcorrer da encenação, papéis e mais papéis alvos voam para o monte nevado. Branquitude nos pensamentos e comportamentos de Anna, que é dona do engenho, vivida por Carol Duarte. Branquitude do açúcar que para ser produzido escravizou. Assim, também, está o preto e o branco marcado na pele dos quatros atores em diálogos. Diálogos que passam do século XVII à XXII. E a interrogação fica: nada mudou? Ou o que mudou de lá para cá com relação aos corpos e culturas violentadas e que sofrem racismo?

No meio do fluxo níveo surge a beleza estética de Milena (Jamile Cazumbá) e Kulamba (Ermi Panzo) contraponto e questionando. Aparecem como uma consciência ética que faz lembrar o grilo do Pinóquio. Aquela que anuncia ou denuncia que o que está por vir não deve ser feito, realizado ou concluído. Enfim, a ideia/ação é para ser ejetada como o papel lançado ao monte da história. Anúncio não observado no passado colonial, contudo, no presente ano 2023 essa ética está em questão. Os atores “pulam” pelo cenário – hora aqui, hora ali, e, Milena é a voz feminina e mais ativa?

Kulamba, conforme o próprio Ermi Panzo gentilmente me descreveu: é um personagem da etnia africana Bakongo, do norte de Angola, da região dos Bantus. Kulamba significa aquele que cozinha, aquele que matura, cria, cozinha e elaboras as ideias. “E tem essa leveza da espiritualidade da palavra como comida, do tempo como comida. Prepara primeiro tudo aquilo que é o tempo a palavra, o lugar e depois vai se incorporando e vai digerindo…” O Kulamba entra na narrativa para subverter a história para se ter liberdade para ser “aquilo que é, o seu reino.”

Para o final da exibição, a branquitude cede lugar. A memória de tempos sinistros com feridas abertas de um Brasil escravocrata está ali.  Se elas estão cicatrizadas ou não, somente quem as viveu na pele e na memória ancestral pode falar. E, no fim estão no palco Milena e Kulamba – a consciência ética, a comida, o tempo, o lugar e a palavra sendo digeridas e elaboradas.

Entramos na Babilônia, Babel tropical que é um fluxo de diálogo atemporal,  com fluidez da direção e da atuação nos conduzindo a momentos paradoxais. Esses oscilam entre o lúdico e de tensão da reflexão, do doce e amargo do açúcar, do preto e do branco. É como mexer na água cristalina, a vemos na superfície, porém a sujeira que está no fundo quando remexida…

Babilônia Tropical é uma sacudida que mistura tudo e nos coloca ao trabalho do cozinhar, comer e digerir fatos e tempos. Uma elaboração Kulamba.

Blogueiro

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