Daniela Piroli Cabral
contato@danielapiroli.com.br

O meu amigo está de luto. As lágrimas estão presas nos seus olhos vermelhos, prestes a cair. São lágrimas que revelam o preço do amor, a força do vínculo e a dimensão do afeto que foi perdido. 

A despeito das inúmeras perdas já vividas antes, a de agora é diferente, é a soma de muitas perdas: irmã, amiga, mãe. É perda árida na concretude da ausência, mas também perda simbólica: do bom-humor, do carinho, da bondade, da sensibilidade. O luto de agora se faz, espinhoso, severo, coloca-o em lugar de desamparo e de vulnerabilidade nunca antes sentidos.

A perda fez desbotar até a sua paixão mais intensa. Roubou-lhe a graça do futebol. 

Digo-lhe algumas palavras de consolo, mas sei que elas são inertes. São minúsculas partículas de poeira em um deserto infinito de dor. Melhor mesmo é deixar ele mesmo falar e ser apenas escuta, lugar de esperança. 

Meu amigo questiona sua própria fé. “Por que ela? Por que agora? Por que assim?”

Meu amigo questiona o tempo. “Já se passaram 16 dias…” Meu amigo ignora os desígnios da temporalidade. O primeiro aniversário, o primeiro natal, o primeiro ano novo. Ele não sabe, mas entrou num longo ciclo de reorganização de si mesmo sem ela. 

A cura vem com o tempo. Com linhas tênues, as memórias do passado vivido precisarão ser re-tecidas  com as possibilidades de um futuro interrompido. Sua chance de continuidade vem daí.

Meu amigo não sabe, mas precisará caminhar alguns quilômetros sem mapa e sem bússola pelos caminhos da ambivalência, entre os pólos da saudade e do seu novo eu.

Meu amigo sabe que a vida é boa, mas ignora a fumaça espessa que borra sua percepção no momento.

Meu amigo não sabe que quem a gente ama, não morre. 

Quem morre é a gente mesmo.

*
Curta: Facebook / Instagram
Daniela Piroli Cabral

View Comments

  • Belo texto. Cai como bálsamo consolador ao nosso amigo, ferido em razão da recente perda da irmã querida.

  • Maravilha de texto! Daniela tocou profundamente. Isso é a vida. Não podemos questionar os desígnios do nosso MESTRE JESUS. FICA BEM QUERIDO AMIGO Eduardo. FÉ E FORÇA. SABEMOS O QUE É A DESENCARNAÇÃO. NÃO DEIXA SUA FÉ ABALAR. GRANDE ABRAÇO FRATERNO.

  • Sua sabedoria e seu afeto aparecem no texto como as flores da ilustração inicial: suavizando, clareando, fazendo sorrir, aquecendo o coração não apenas do Eduardo, mas de todos nós que já vivemos situação semelhante.
    Obrigada.

  • Se eu tocasse o saltério, eu dedilharia suas cordas enquanto Daniela recitasse este parágrafo que ela escreveu: "Meu amigo não sabe, mas precisará caminhar alguns quilômetros sem mapa e sem bússola pelos caminhos da ambivalência, entre os pólos da saudade e do seu novo eu."

  • Se eu tocasse o saltério, eu dedilharia suas cordas enquanto Daniela recitasse este parágrafo que ela escreveu: "Meu amigo não sabe, mas precisará caminhar alguns quilômetros sem mapa e sem bússola pelos caminhos da ambivalência, entre os pólos da saudade e do seu novo eu."

Share
Published by
Daniela Piroli Cabral

Recent Posts

Attenzione Pickpocket

Wander Aguiar Que o carnaval de Veneza é incrível eu já contei por aqui e…

1 dia ago

Quem trabalhará nos bunkers do apocalipse?

Taís Civitarese Será que o Jeff Bezos sabe arrumar a própria cama? Ou será que…

2 dias ago

A angústia e suas manifestações no corpo

Sandra Belchiolina Freud e Lacan pesquisaram a angústia humana e apontaram um outro saber –…

3 dias ago

Partida

Daniela Piroli Cabralcontato@danielapiroli.com.br (texto original publicado em 08/10/2020) Ela estava despedaçada. Partida. O peso e…

4 dias ago

Teimosia é também negacionismo

Eduardo de Ávila Somos, quase todos, eméritos e assanhados julgadores de atitudes daqueles com os…

5 dias ago

Separação

Silvia Ribeiro Fiquei pensando em algumas coisas que podem gerar uma separação. E diante de…

6 dias ago