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Preciso de um lápis

Peter Rossi

Romeu era um velho contador. Apesar de músico, ao entrar nas dependências do Banco Mercantil, onde trabalhava, mudava por completo.

Um sujeito baixo, porém magro, com a pele bem clara. Calvo, sempre bem barbeado, dava a impressão de ter acabado de sair do banho. Não usava perfume, apenas a loção após barba. Metido, invariavelmente, numa calça de tergal marrom e numa camisa de mangas curtas, na maioria das vezes, na cor azul.

Chegava, tomava seu lugar e já iniciava os trabalhos. Sua função era fechar o movimento de cada uma das agências. Recebia uma farta documentação dentro de um saco plástico e separava por tipo e origem e partia para o fechamento.

Manuseava a máquina de somar como ninguém. Seus dedos dançavam pelas teclas, enquanto ele mantinha os olhos no documento a ler os números.

Engraçado que entre o dedo médio e o anelar, ele mantinha um lápis. Era sua âncora. Seus amigos diziam que se tirassem o lápis da mão direita, Romeu perdia toda agilidade. Certo é que o lápis sempre estava ali.

Ao se levantar da mesa para ir ao banheiro ou conversar com alguém, o lápis voava até atrás da orelha e lá ficava até que Romeu voltasse a teclar.

Chegava em silêncio e em silêncio ficava. Seu serviço, impecável. Pouco falava durante o expediente, apenas ria, vez ou outra, das bobagens que os colegas diziam. Eram doze pessoas na mesma sala, cada um em sua mesa. Na época não existiam as chamadas estações de trabalho. As mesas eram dispostas de maneira uniforme, como numa sala de aula. Em frente a todos, na mesa maior, estava Luiz Carlos, o chefe. 

Um rapaz bem mais jovem que Romeu, vindo do interior, com um sotaque carregado em erres, mas boa gente. Um indivíduo tranquilo e conciliador, sempre resolvendo as pendengas com baixo tom de voz. Era firme, porém extremamente educado. Pisava em ovos para chamar a atenção de alguém, mas conseguia sempre o seu intento. Era sábio, essa é a verdade.

Luiz Carlos tinha um especial carinho com Romeu. Todos os demais tinham idade entre vinte e trinta anos. Romeu devia beirar os cinquenta e cinco.

Mas, nem por isso, era mais lento. Ao contrário, com o lápis encaixado entre os dedos, digitava em toda velocidade.

Numa bela segunda-feira, Carlinhos, um dos mais brincalhões da turma resolveu iniciar a semana com uma bela troça. Chegou cedo ao Banco e recolheu todos os lápis da sala. Percorreu cada uma das mesas, vasculhou cada gaveta, e surrupiou qualquer lápis que ali estivesse.

Romeu chegou e logo iniciou os trabalhos. Era metódico, pegava todos os sacos plásticos de sua responsabilidade, cada um representando uma agência bancária, e sempre começava pela agência cujo nome era o primeiro da lista alfabética. Era a agência “Avenida”. 

Abriu o saco, espalhou os documentos sobre sua mesa, de maneira absolutamente organizada, ligou a máquina, certificou-se de que tinha bobina de papel, como sempre fazia, e meteu a mão na gaveta para pegar o lápis. Apalpou daqui e dali e nada encontrou. Abaixou a cabeça e olhou detidamente, o lápis não estava ali.

O chefe Luiz Carlos ainda não tinha chegado. Aliás, apenas Romeu estava ali. Buscou em cada mesa e nada encontrou. Carlinhos, escondido na sala ao lado, imaginava a cena e se contorcia de rir.

Fato é que todos chegaram e Romeu não começava o seu trabalho, o que motivou Luiz Carlos a ter com seu subordinado.

– Romeu, o que houve? Você está bem vermelho, está passando mal?

O velho homem, procurando disfarçar a sua dependência do famigerado lápis, apenas inventou uma desculpa.

– “Seu” Luiz Carlos, estou muito preocupado com uns problemas que estão acontecendo lá em casa. O senhor sabe né? Mulher, filhos, contas e mais contas.

Enquanto falava sua respiração entrecortava o lugar. Procurando acalmá-lo, Luiz Carlos ponderou:

– Romeu, vamos descer até a portaria, lá conversaremos melhor.

Assim fizeram. Tomaram o elevador, Romeu em silêncio, e foram dar na calçada em frente ao prédio.

– Então, o que está te afligindo? Posso te emprestar algum. Não é muita coisa, mas pode ajudar.

– Não precisa chefe, é que estou preocupado mesmo. Dá pra controlar, eu quem exagero às vezes.

Romeu não queria que ninguém soubesse da sua dependência do lápis, embora todos tivessem conhecimento, inclusive Luiz Carlos.

Foi quando o contador teve a ideia de correr até a banca de jornais em frente e comprar um lápis. Voltou com o artefato em seu bolso. Luiz Carlos não conseguiu disfarçar.

– Ah, entendi agora Romeu. Fique tranquilo. Vamos resolver isso.

Ao perceber que o chefe notara o lápis em seu bolso, a cólera apoderou-se do nosso amigo.

– Não sei o que o senhor entendeu, mas na verdade quero te pedir um favor. Estou mesmo muito cansado. No ano passado vendi dez dias de minhas férias, preciso tirar um descanso.

As palavras saiam atropelando umas as outras. A respiração era ofegante.

– Estamos na semana-santa, o senhor poderia me dispensar um dia mais cedo, trabalho hoje e amanhã e depois saio.

– Mas Romeu, até o feriado ainda temos quatro dias de trabalho. Não tenho justificativas pra te liberar dois dias.

– Uai, nada disso “seu” Luiz Carlos. Eu trabalharia até quarta. Pedi ao senhor para trabalhar segunda e terça. O senhor só me daria a quarta-feira.

– Romeu, meu amigo! Trabalharemos até quinta-feira, e não até quarta.

– O senhor está enganado! Tenho vinte e oito anos de banco, sei o que estou dizendo. Aliás, no último ano me lembro bem dos dias em que fui pescar na semana-santa.

A aflição de Romeu não cedia e Luiz Carlos, percebendo o desconforto do amigo, buscava levar a questão com absoluta calma.

– Deve estar confundindo, Romeu. Me lembro bem que no último ano você e eu fomos os últimos a sair. Descemos juntos e você me contava que ia pescar, todo animado.

– Pois é o que estou dizendo. O senhor nos liberou dois dias.

– Claro que não, Romeu! Nem tenho poder para tanto. Todos trabalhamos quatro dias naquela semana. 

Foi quando Romeu deixou o olhar vagar no entorno e numa célere expressão de descoberta fez aliviar toda a vermelhidão no rosto. Não suava mais, esboçava até um tênue sorriso:

– “Seu” Luiz Carlos, só tem uma explicação: será que ano passado a sexta-feira da paixão caiu na quinta?

Apressaram-se para o elevador, Romeu mais calmo, afinal tinha um lápis no bolso.

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