Rosangela Maluf

Sim. 

Tudo já havia sido acertado entre nós.

Não dava mais para continuar, por inúmeras razões. 

Trabalhávamos no mesmo escritório e tínhamos muitos amigos em comum. Quando saíamos com nossos “pares oficiais”, sempre havia um jantar ou outro em que dividíamos a mesma mesa. Sim, nós quatro. Se fosse o restaurante de sempre, chegariam outros casais e uniríamos outras mesas.

Ele e eu éramos amigos, colegas de trabalho. Os nossos pares se conheciam e educadamente conversavam todas as vezes em que formávamos um quarteto. Com ou sem as crianças que já se conheciam e freqüentavam a mesma escola, o mesmo cursinho de inglês, e juntas, jogavam futebol. Até ai, tudo bem.

No último campeonato da escola, os nossos filhos, os dois meninos, ficaram em primeiro lugar disputando espaço no caixotinho de madeira que lhes servia de pódium. Foi engraçado e preocupante. A amizade entre os dois só crescia e víamos aí a continuação do “dorme lá em casa”, “posso almoçar na casa dele?”. “Já tá de noite, você me leva em casa”?  E era assim que tudo acontecia!

Fazia apenas oito meses que começáramos o affaire.

Insatisfeitos, nós dois, com o casamento de muitos anos. 

Tanto ele quanto eu já passados dos quarenta, priorizando os filhos, o lar bem construído, a jura de amar pra sempre aquela pessoa a quem nos unimos. Tantas outras bobagens que perdem toda a importância quando uma nova chance surge pra nos alegrar ou nos matar de tristeza.

Sim. Era tão intenso, tão profundo, tão completo que chegava a nos assustar. Ele achava que deveríamos continuar e se fugisse ao nosso controle, por mais que nos custasse, haveria a separação. Ficaríamos juntos pra sempre.

De maneira alguma, eu dizia. 

Não somos apenas nós dois. 

Como ficaria o nosso trabalho, onde, nós dois, alcançáramos imenso sucesso?

Como ficariam o meu marido e a mulher dele? E os meus filhos e os filhos dele? A decepção das nossas famílias tão conservadoras. Os comentários dos amigos…Eu com a minha eterna mania de me preocupar com os outros, de dar satisfação para quem não deveria, e atenção a destinatários pouco significativos. Eu era assim, sempre assustada e insegura principalmente com a nova situação vivida.

No horário combinado, logo depois do almoço, lá estava eu, estacionando o carro quando ele chega. Acena pra mim e vem caminhando em minha direção. Saio do carro, espero por ele e caminhamos juntos até a portaria do prédio onde alugamos um pequenos studio por tempo indeterminado. Nossos encontros eram sempre naquele pequeno pedacinho de céu!

Entramos no elevador.

Ele me olha. Pergunta se está tudo bem. Digo que não. Ele nada diz. Segura minhas mãos, me leva pra perto dele e me abraça. Sinto sua respiração em meus cabelos. Ele não diz nada, eu também não. 

O abraço continua. 

Acaricia minhas costas num vai e vem que ele sabe que tanto gosto. Me aperta entre seus braços e diz baixinho que me ama. Aquele sopro me causa arrepios e fico na ponta dos pés pra beijá-lo. Chegamos ao nono andar. Ele me solta, abre a porta e saímos do elevador.

Nenhuma palavra. 

Uma pequena lágrima insiste em descer pelo meu rosto. 

Agora, o abraço é desfeito enquanto ele abre a porta. Entramos. Jogo a bolsa no sofá e me coloco de frente pra ele que coloca o paletó na cadeira. Ele tira a gravata e desabotoa os dois primeiros botões da camisa. Dobra as mangas e continua sem dizer nada.

Fica bem pertinho de mim. Me olha com um olhar tristonho. 

Inclina a cabeça e me beija suavemente. 

Permaneço estática. Ele pega uma mecha do meu cabelo solto e a prende atrás da orelha. Cheira meus cabelos porque gosta muito do perfume que uso. Há perfume também nos cabelos. Me beija e diz baixinho que me ama. Me controlo pra não chorar. Não agora, não quero estragar tudo ainda mais.

Ele continua o abraço e sorri levemente até que surjam as duas covinhas em seu rosto. Beijo cada uma delas. É um hábito que tenho e ele já sabe. Me afasta um pouco e me toma novamente as mãos. Beija cada um dos meus dedos, me olhando profundamente. Desliza devagar as suas mãos pelo meus braços. Com delicadeza abaixa a alça da minha camiseta de seda. Acaricia meus ombros. Do ombro ele vai até o pescoço e me beija repetidas vezes. 

Estou sem saber o que fazer.  

Olho pra ele que levanta o meu rosto e me beija novamente. Nossos lábios se tocam, o silêncio continua e ondas de calor me invadem. Este ritmo lento me dá prazer e vê-lo me olhar com todo este encantamento, me deixa arrepiada. Meu corpo todo entra em ebulição.

O beijo é cinematográfico. Um encaixe perfeito de nossas bocas, o toque mágico de nossas línguas. Nosso intenso respirar.  O desejo aceso. Me sinto atordoada, meio fora de mim.

Ele afasta o meu cabelo da nuca e novamente beija meu pescoço. Aquele calor me encanta e ele volta a dizer que me ama. Que me ama muito. Coloca o meu cabelo no lugar. Me abraça apertado, como quem se despede. Isto me entristece. Seu rosto diz exatamente o que pensa e o meu deve traduzir o que sinto. Estamos os dois mergulhados em enorme tristeza.

O abraço é demorado. 

Lentamente caminhamos para o quarto. 

Nos sentamos na cama, um ao lado do outro. Ele aperta minha mão, continua olhando pra baixo e sua franja longa e lisa cai como uma pequena cortina sobre seus olhos.  Olho pra aquele homem a quem amo tanto. Que tem me feito feliz neste curto espaço-tempo mais do que fui em toda minha vida.

Seguro sua mão e a beijo. Demoradamente. Coloco-a em meu rosto. Nos olhamos de novo. Ele continua a beijar meu ombro e tira minha camiseta. Nos olhamos com muita ternura. Pressinto que será muito difícil ficar sem ele e ele sem mim. O que combinamos parece não ter como terminar. O que será que ainda faremos?

Devagar desabotôo a sua camisa. 

Afago aquele peito que tanto prazer já me deu; onde chorei algumas vezes e onde sorri muitas vezes. O que será da minha vida sem ele? Não quero pensar nisto. A calça. O cinto. O zíper. Preciso tanto do calor daquele corpo. Minha calça. Meu cinto. Meu zíper. Todas as roupas no chão, as minhas e as dele.

Olhamos para a cama que espera por nós. 

Olhamos para as flores que enfeitam as mesinhas de cabeceira. 

Ele nada pergunta, mas deve imaginar que sou eu a única responsável pela ternura daquelas flores brancas e do cheirinho bom que emana delas. 

Nos abraçamos, Agora nus. 

Um abraço demorado, cheio de calor, repleto de ternura, transbordando de amor. Os dois em silêncio. Sem muito a dizer. A falar tenho eu, baixinho em seu ouvido: – Também te amo. Muito.

Como sempre, foi uma situação completamente fora de controle. 

Surreal. Tive a impressão de que me encontrava em outra dimensão. Os sentidos aguçados. Os corações acelerados. Os olhos fechados e o corpo a flutuar em algum espaço que desconheço. Não havia música. Não havia nenhum ruído. Nosso respirar se fazia ouvir. E nós o ouvíamos. Ainda em silêncio.

Nos deitamos. Ele me coloca em seu peito e acaricia meu rosto. Coloca o meu cabelo pro alto, sobre o travesseiro onde estamos os dois. Beija mais uma vez o meu cabelo. Beija meu ouvido. Morde o meu queixo e me beija mais, mais e mais. Me arrepio. Tenho tanto carinho acumulado e uma imensidão de beijos para compartilhar.

Desde que tudo começou tem sido assim a cada vez que nos encontramos. Uma ternura sem fim. Nesta tarde, a única diferença é o enorme silêncio entre nós. Palavras não são necessárias. Ele não fala nada e eu nada falo. Os dois pensam muito. Sentem muito, mas não sabem ao certo como agir. 

Chego ainda mais perto dele. Me colo àquele corpo que tanto bem me faz.  Inundo de beijos aquele peito que me abriga, me conforta, me acalma e que faz de mim uma mulher de verdade. Respiro fundo. Nós dois de olhos fechados, sensibilidade à flor da pele, sem saber o que dizer. 

No meu celular toca o despertador. É hora de voltarmos á vida normal. Olho pra ele e nos beijamos longamente. Cada um se veste com calma e estamos prontos pra descer. Olho para ele como quem espera uma palavra, uma tomada de decisão, a conclusão do que fomos fazer ali.

Ele me chama pelo nome. 

Me aninho entre seus braços. Olho esperando por algo mais. Quem respira fundo agora é ele. Mas não fala o que temo tanto em ouvir. Baixinho em meu ouvido ele diz:

–  Você sabe e eu também sei: não haverá ponto final.

*
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  • Viciante suas narrativas !Me delicio com a sensação de ser transportada para dentro da história e sentir as emoções dos personagens.

  • Quanta emoção e sensibilidade nesse texto que é capaz de envolver tanto o leitor que o torna partícipe da história.
    Vivi tudinho como se fosse eu a amante.

  • Gostei muito. Exatamente por descrever um encontro entre dois amantes que, apesar do histórico da relação ser igual a de tantas outras, o relato foge completamente do óbvio. E deixa no ar o permanente sentimento de culpa convivendo com o desejo de continuar. Sobra desejo para estar juntos e, ao mesmo tempo falta coragem para decidir pela separação. Uma relação perigosa.

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