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Um papo com um Amigológo

Silvia Ribeiro

Com um costumeiro sorriso de canto de lábio e um olhar por cima dos óculos sou recebida. Até que um debochado “sabia que você viria” me faz rir constrangendo as minhas bochechas, mas aquilo era tudo que eu necessitava naquele instante.

Ao passar as mãos pelos seus cabelos prateados me olha como se carregasse consigo todas as minhas procuras. Na verdade ele tinha esse poder, ainda que com total discrição. Sempre tive a impressão que aquele ser sabia alquimizar as minhas emoções e de vez em sempre mudava a rotina dos meus tumultuados porquês.

Depois de todos aqueles saramaleques que eram de praxe adentramos em vias de fato sem que eu precisasse de muitos adjetivos pra justificar a minha presença, porque já havíamos começado aquela conversa numa dessas madrugadas insones por aí.

Diante de um cenário de distrações degustativas e um delicado licor da minha preferência demos passagem para o nosso lado aprendiz. Do outro lado daquela mesa havia uma relação diferente e que cabia dentro daquele meu universo como cabem todas as minhas poesias.

Delícias platônicas giravam dentro daquele ambiente como se arrancasse dos meus ombros uma sutil echarpe sem se importar com a friagem que se tornava apetitosa diante daquele clímax que queria se manter em sigilo.

Não pude deixar de transitar por aquela camisa que deixava uma fantasia à mostra e nem por todas aquelas imagens que passavam pela minha cabeça.Tive medo de ser explícita em meus movimentos e me distanciar das razões que me levaram até ali, ou simplesmente não conseguir desvencilhar daquele perfume que conversava com os meus instintos como quem conversa com uma criança travessa, e eu não queria simplesmente ter que inventar uma cara nova pra tudo aquilo que eu estava sentindo.

Ali era fácil falar sobre qualquer coisa, expor as novidades, encontrar os fios da meada, relatar as frustrações, minimizar as expectativas, desdizer os desaforos, acalmar o fôlego. E isso ocorria de ambas as partes sem que precisasse de uma pauta definida, ou alguma retaliação por deixarmos os assuntos crus e sem normas.

Os nossos corações desfilavam as suas profundezas e as suas virgindades com orgulho e com uma vontade enorme de visitar os nossos cômodos internos. Falamos da nossa última reza até o nosso mais fresco pecado, das teorias do homem cafajeste até a manjada frase uma lady na mesa e uma louca na cama, do amor e do desamor.

De um jeito inteligente os meus pontos cegos eram desvendados um a um, as minhas decisões viravam abobrinhas, e algumas atitudes se tornavam incrivelmente desimportantes, fazendo com que os meus conflitos se envergonhassem e saíssem de fininho.

Como eu te disse querida: a vida é muito maior do que as nossas entusiasmadas taquicardias. E não podemos esquecer que não é sobre o outro (é sobre nós), vamos ficar apenas com as nossas assombrações porque elas não nos metem medo.

Aquelas palavras rondaram a minha espinha de forma descontraída, sem frescura, sem velocidade exata, e com uma expressão que me trouxe pra uma realidade viril. Tive que engolir cada detalhe que vinha através daquela sabedoria mansa que dizia tudo e ao mesmo tempo não falava nada.

Éramos saudavelmente cúmplices e tínhamos muitos janeiros ao nosso favor, fazendo com que o imaginário pudesse ter algumas nuances de vida, desde que não saísse da sobriedade e não quisesse virar coisa de gente grande. Confio que isso seja a resposta para todos os nossos desejos e para o nosso amparo de almas que assegura a nossa presença apenas no mundo dos vendavais internos.

Voltando ao motivo que me levou até ali.

Apenas uma bagunça apressada de sentimentos e que sempre que se desenrola quer algo ou alguém pra colocar tudo de volta no lugar. Coisas que poderiam ser resolvidas num divã ou com um desses exercícios do eu sou que costuma causar algum impacto quando nos dedicamos à eles.

Mas talvez, por alguma razão que nem sei se Freud explicaria, aqueles sentimentos precisassem estar em boas mãos, e de se sentirem despidos apenas com a vontade de serem abraçados.

E estiveram. Em mãos de um “Amigológo” amigo/psicólogo.

*
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