Foi um presente de aniversário.
Gostei imensamente quando vi aquela coisinha pequena enroladinha numa camiseta velha, de malha.
Encolhidinho, sem fazer barulho. Olhei bem pra sua carinha e achei os olhinhos tristes. Ele, redondinho como se fosse apenas uma bolinha peluda, em branco e preto com as metades da carinha, rigorosamente iguais. Não quis brincar nem correr. Os olhinhos sempre fixando alguma coisa, mas olhando pra baixo. Não dava pra saber o que era. Mas ele chorava baixinho e o meu coração partia.
Ajeitei sua caminha.
Coloquei perto uma vasilha com água e outra com ração para menores de um ano. Radar tinha apenas um mês quando chegou pra mim. Era ainda um bebê e sentia muito, a falta da mãe. Tanto que nas primeiras noites ele chorava sem parar e não havia brinquedinho nem comidinha que pudessem acalmá-lo.
Coloquei folhas de jornal para aquecer sua caminha…nada. Levei-o pra minha cama, sem gostar muito, mas pelo menos assim ele não chorava e se enroscava em minhas pernas. Incomodada, lá pelas tantas, eu acordava e o colocava em sua caminha: sua caminha sobre a minha cama, assim ele não se sentiria abandonado pela mãe. Será que era assim que o Radar se sentia?
Eu não podia imaginar que seria tão longa a adaptação.
Mas foi.
Durante dias, semanas, o desconforto era meu e a tristeza era dele.
Quase desisti, mas segui firme em meu propósito de convencê-lo de que seria muito amado naquela casa. Menos de um mês depois, o garotinho já parecia nem se lembrar da mãe. A bolinha de pelos macios já se comportava como um cãozinho de verdade e não mais como um bebê.
Lentamente ele começou a sair da sua caminha e dar uma volta pelo quintal. Conheceu o galinheiro, ouviu o cacarejar de Anastácia, logo depois de botar o seu primeiro ovo do dia. Não se assustou com a chegada do Samir e Jamil que vieram para o café da manhã. Não brigaram os três… Se cheiraram muito, os dois gatinhos e o cachorrinho nenen. Comeram juntos. Dormiram estirados sobre uma toalha que quarava perto do tanque.
O tempo foi passando.
Radar era um cãozinho danado de bonito.
Estampadinho em preto e branco, a barriguinha com umas manchas marrons. Era uma mistura de Bernase com vira latas. Uma mistura mais do que perfeita. Sua carinha era mesmo uma obra de arte, exatamente dividida ao meio, sem nenhum defeito.
Radar se adaptava, mostrando que se sentia bem naquele ambiente.
Começava a marcar seu território, corria por todo lado, mas respeitava a cerca da casa. Era totalmente livre para, de vez em quando, saltar o muro se aventurando pela estrada de terra. Voltava assim que ouvia meu assobio. Sujinho de dar dó, de tanto rolar pela terra. Era muito diferente rolar na grama e na terra. Radar se divertia com as duas opções e parecia gostar muito das duas.
Era um amigão.
Percebia quando eu estava muito alegre e aproximava-se querendo brincar. Trazia de volta as bolinhas que eu jogava. Dava reviravoltas deitado na grama, se enchendo de fitinhas verdes que eu retirava uma a uma. Eu, deitada junto dele e ele quietinho (só por alguns minutos) esperando que eu catasse a grama grudada em seu pelo.
Voltava pro meu colo suado, fedorento e ainda queria brincar.
Eu me deitava e deixava que ele me cheirasse, me lambesse, puxasse meu tênis querendo brincar mais. Fingia que acordava, que despertava e ele pulava no meu colo, sempre querendo brincar mais. Depois o banho de mangueira que ele tanto gostava.
O tempo foi passando.
Um ano, dois e fui então descobrindo que, além do grande amigo e guardião da casa, eu tinha um ser quase humano que me percebia como gente. Radar sabia quando eu me sentia triste.
Sentada na cadeira da varanda, pernas cruzadas, um livro no colo, olhando para sei-lá-onde, ele chegava pedia carinho colocando as patas em minhas pernas e deitando a cabeça em meu colo. Em seguida, se ajeitava ao meu lado.
Durante o tempo que eu estivesse ali, Radar não se afastaria nem um segundo. De vez em quando me olhava com aqueles olhinhos tristonhos como se me perguntasse se as coisas estavam melhorando ou não.
Raramente eu me sentia assim tão triste e tão calada, mas acontecia de vez em quando. Radar percebia tudo e modificava totalmente seu jeito de me cuidar. Era mais carinhoso. Às vezes rolava no chão pra que eu gritasse o seu nome e dissesse: Bravo, Radar!
Em noites mais frias eu colocava uma peça de lã, ou um pedaço de uma colcha ou toalha velha, mais quentinha. Ajeitava sua nova caminha, bem maior, onde ele pudesse dormir confortavelmente. Entretanto, como eu não tinha o hábito de fechar a porta, muitas e muitas vezes encontrei meu amigo deitadinho aos meus pés.
Radar adorava andar de carro.
Atrás, do lado oposto ao meu e com a janela toda aberta.
Era a cara da alegria ao receber o ar friozinho que entrava.
Agradecido me lambia a cabeça, ou o pescoço ou a mão que eu colocava pra que ele não me incomodasse enquanto eu dirigia. Por alguns minutos não emitia nenhum som. Como se estivesse apenas curtindo a paisagem, o vento, a música que vinha do rádio e que eu acompanhava cantando a plenos pulmões. Afinal, só Radar e eu.
A companhia de Radar me fazia tanto bem que eu não sentia a menor falta de pessoas, de gente. Não recusava nenhum convite, afinal morava sozinha em um sítio, bem próximo à capital. Havia almoços, aniversários e muitas amigas se ofereciam para um café, para saber das novidades e eu as recebia, lá em casa e achava bom, mas do que eu gostava mesmo era de ficar só com minhas músicas, meus livros, meus gatos, meu jardim, minha horta…eu me bastava e só precisava mesmo do Radar ao meu lado.
Vacinado, bem alimentado, bem cuidado, nunca poderia imaginar que algo de grave pudesse acontecer com ele. Por isso, quando recebi da veterinária o resultado dos exames do Radar eu não pude acreditar. Eu teria poucos meses pra me despedir do meu amigo tão querido.
Passei a deixá-lo em minha cama todo o tempo que ele quisesse.
Que fossem felizes seus últimos dias. Que os meus dias também pudessem ser felizes com o que haveria ainda dele. Não seria fácil ficar sem ele. Não seria fácil dar sequência à mais temida de todas as contagens regressivas. Não poderia deixar de pensar na falta que sentiria dele. Não deixaria que a tristeza me imobilizasse. Não permitiria ser tão ingrata ao ponto de esquecer a alegria e felicidade por tê-lo tido por algum tempo.
Cada dia juntos, era um dia a menos…
Eu sabia e ele também.
Pelo seu jeito de me olhar, de me lamber, de se deitar junto a mim, de chegar com toda calma de colocar suas patinhas em minhas pernas e deitar sua cabeça em meu colo.
Perguntaram se eu queria que ele permanecesse no sítio.
Não, não quis. A veterinária tinha um lugar apropriado, um local bem cuidado, bonito onde ele poderia descansar em paz.
Não gostaria de relatar o final…
Como tudo que acaba, que termina, Radar também se foi…
E não voltará mais.
Ponto final.
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Amei sua crônica ,afinal o amigo mais fiel que temos , é nosso cãozinho ,já tive um e sofri quando ele se foi,bjs
É triste a despedida de um amigo cão... Sei bem como é
Triste, mais ainda sim uma linda história
A finitude da vida se apresenta em vários aspectos ou circunstâncias e nos levam a profundas reflexões.