Mariana tem duas características marcantes, a desatenção e o bom-humor. Com ela, situações inusitadas passam a ser comuns, tamanha a desenvoltura com que encara aqueles apertos pelos quais passamos, na rotina da vida.
De fato, todos nós, de uma maneira ou de outra, já enfrentamos situações indesejáveis no trato com outras pessoas, é o que chamamos de “saia justa”. Aliás, até bem pouco tempo atrás não conseguia entender muito bem a razão da expressão, até que uma amiga me ensinou que andar de saia justa, para uma mulher, apesar do convite ao olhar, é um desassossego só. Uma perna fica esbarrando na outra, e se tiver de meia-calça então, chega a gerar ondas elétricas. Saia-justa é um aperto exagerado.
Pois bem, o que para nós é constrangedor, Mariana tirava de letra. Não se constrangia por nada. Ao contrário, depois era só lembrar e cair na risada. Devia ter deixado tudo anotado e um anedotário estaria completo.
Mas essa história que narro não passou desapercebida. Ela me contou, entre um chope e outro, numa mesa de bar numa cidade histórica e eu tratei de anotar. Não perderia aquilo de forma alguma.
Tudo começou quando ela teve uma forte crise de enxaqueca. Esperou um, dois e no terceiro dia se rendeu aos conselhos da mãe e foi procurar um médico. Nada afastava aquela dor insuportável. Só queria ficar no escuro e em silêncio. O mundo que girasse em torno, ela não queria nem saber.
Chegou ao consultório e o médico logo começou aquele inquérito inicial em que procura saber de fatos da infância do paciente, para não dizer, de suas encarnações passadas. Já teve úlcera? Giárdia? Já quebrou algum osso? São tantas perguntas que, para simplificar, dizemos não em resposta a todas.
E quanto aos remédios? Meu Deus do céu! O pobre coitado do paciente, que já está ali sofrendo, será que se lembrará se tem alergia a penicilina? Quanto sofrimento. Que preliminares indesejáveis.
Mariana, com seu rosto rosado e infindáveis olhos verdes, respondia a tudo com paciência de Jó. Como o personagem bíblico, nossa amiga passava por provações sem abalar, no seu caso, não a fé, mas o bom-humor.
Com as mãos segurando a cabeça, que àquela altura devia pesar uma tonelada, ela respondia às perguntas, uma a uma, não sem antes pensar detidamente no que lhe era arguido.
Ao final, o veredito: precisamos fazer alguns exames! Ou seja, o questionário infindável de nada serviu. Ficou Mariana ali por exaustivos quarenta minutos, a ter sua vida desfraldada e esmiuçada, por nada! Mas ainda sorria, seu sorriso franco e acolhedor.
– Mas não se preocupe Mariana – disse o médico. Temos aqui os equipamentos necessários e hoje ainda a bateria de exames pode começar.
– Pois não Dr. Nestor – respondeu Mariana. Esse era o nome do médico!
Conduziu a paciente, com toda atenção, para fora do consultório e acompanhou-a até a última sala do corredor, em cuja porta jazia uma placa: exames de imagem!
– Por favor, Anacleto, aqui está a Mariana. Você tem alguma vaga agora? Gostaria que ela se submetesse a um ultrassom abdominal. Está com dores terríveis e precisamos averiguar o quanto antes. Vamos fazer uma varredura. Mariana escutou aquilo com certa apreensão …
– Dr. Nestor, com certeza. Tenho apenas uma paciente na frente e em seguida atendo a moça.
A moça tinha uma dor de cabeça e se submeteria a um ultrassom abdominal? Como assim? Será que esquecera os básicos conhecimentos de anatomia aprendidos na sexta séria, nas aulas de ciências, enobrecidas com a alcunha biologia?
Não entendia bem aquilo, mas já que sofreria uma varredura, melhor fazer o que o médico sugerira.
Mariana, sentou-se em uma cadeira de plástico, desconfortável e ficou a sustentar a cabeça, que a cada minuto parecia pesar mais.
Cerca de meia hora depois foi chamada pelo nome. Se levantou e foi ter com Anacleto. Quando imaginou que se deitaria em alguma maca, foi convidada a se sentar em outra cadeira, à frente do enfermeiro. E lá veio outro depoimento!
– A senhora fez alguma refeição hoje? Está com bexiga cheia? Tem alergia a contraste?
Não, mil vezes não! Mariana estava já cansada de tudo aquilo. Respondeu a todas as perguntas, dessa vez sem o bom-humor costumeiro. Ainda assim, manteve a altivez da sua expressão mais faceira.
Encerrado o inquérito, Anacleto lhe entregou uma camisola hospitalar – sim, esse é o nome, eu pesquisei – e toucas e pediu que se trocasse, iria se submeter ao exame.
Passados alguns minutos, veio Mariana, com a camisola, os braços abraçando o próprio corpo, de modo a manter intacta a sua intimidade. Na cabeça, uma toca.
– Olha aqui, doutor, o senhor me deu duas toucas, aqui está uma delas – disse esticando o braço.
– Como assim, moça? As toucas eram para os pés, para que não os sujasse.
Percebendo o “fora” que tinha dado, Mariana não se fez de rogada e foi logo dizendo:
– ah! doutor, eu coloquei a touca na cabeça porque esse negócio de pôr no pé me dá uma gastura danada…
E foi logo se deitando na mesa do ultrassom, sem esperar nenhuma resposta.
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Essa foi ótima