Taís Civitarese
Estou com uma mania horrível de toda vez que olho no espelho, levantar o dedo do meio e mostrá-lo ao reflexo juntamente com uma careta.
Sei que talvez o melhor lugar para confessar este hábito não fosse exatamente uma crônica, mas sim um consultório médico ou psicológico.
Sei também que não tenho mais quinze anos.
Porém, por algum motivo, diante do espelho tem surgido uma vontade incontida e incontrolável de fazer isso.
Quando não há tempo para a careta, elevo somente o dedo e já me satisfaço psiquicamente.
É como se ali eu extravasasse algo que não sei explicar e me voltasse contra alguém que não sei ao certo quem é. Tem acontecido em elevadores, banheiros, retrovisores, ou mesmo frente a portas espelhadas e pequenos espelhinhos decorativos ocasionais.
Às vezes, me pego ensaiando o gesto, elevando ofensas para o ar quase como um treino para a derradeira (e grosseira) manifestação.
Passei um esmalte vermelho que tornou todo o ato ainda mais emblemático e marcante.
E é verdade que andei assistindo a uma certa quantidade de memes com cenas parecidas nos últimos meses…
Porém, minha conclusão a respeito dessa mania horrível vem de outro tipo de consumo de mídias. Vem das notícias do quotidiano, das situações revoltantes, das raivas evocadas que não extravasam e se tornam sombras pesando o semblante. Ao fazer isso, canalizo todas para um determinado lugar e me lembro de que há muita cara feia ainda a ser feita, muita luta, atitude e persistência. Olho para mim mesma naquele estado e me lembro.
Mostro esse dedo para lembrar-me de todos os motivos de ira que não devem ser esquecidos. Tantos merecedores de um belo “chega pra lá” (em palavras mais educadas e elegantes).
Que seja portanto um exorcismo simbólico de tudo o que deu errado. Que seja um “bem feito” para tudo o que deu certo. Que seja um “vade retro” para todos os que me aborreceram. E que através de toda essa bobagem, eu atraia liberdade, reflexão e postura para o ano vindouro, assim como na imagem do espelho.
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