Raniere Sabará
Inevitavelmente sabendo a lidar com partidas e partilhas, finais de ano nunca foram um bom pretexto para mim. Natal vira sinônimo de reclusão. Introspecção. Cansaço. Distopia. Já a ultima semana do ano se torna momento de padecer. Me padeço a pensar na dramaturgia dos ciclos que se envolta. Envergam. Reconecta com aquilo de mais profundo desde minha infância: Partidas e recomeços.
Escrevo, rabisco e pincelo inúmeros projetos para a proximidade de ano que está para chegar. Alguns sem contexto e precisão. Já outros, a realidade do imaginário que me habita. Seja pelo acaso ou destino, eles sempre me encontram. Pincelo em tantos papeis os meus anseios que esqueço de refletir sobre o que a mim própria tenho a dizer sobre esse ano que se vai. É momento de repensar.
O tempo, como sempre digo, é um mistério e eu vivo à face dele. É rodo cotidiano, quiçá, cotidiano em paradoxo.
Para o tempo, fiz preces secreta aos deuses. Todos os dias. Naquele papel timbrado, eu me coloquei a estar em territórios que jamais me acalcassem. Promulgassem. Decidi que era tempo de recomeçar. Ser leveza de tempestade em copo d’água.
Alguns projetos ficaram para trás. Não porque o abri mão e os deixei, mas, a vida quis assim e eu não posso lutar contra ela. Não estava nos meus planos, mas, a caligrafia desenhou os passos do meu encontro sem eu ao menos perceber.
Me submeti a estar em lugares inimagináveis. No começo, me perguntava e relutava contra algo que era muito maior que eu. Comecei a desacreditar de todas as cartas que foram enviadas ao destino (ou na infância ao papai Noel) com o propósito dos meus anseios serem atendidos milimetricamente aos meus passos. Esqueci que não sou eu que moldo a vida, mas sim, ela que molda e me move.
O ato de amar, me arrebatou e me expandiu a sinfonia mais bonita que meus ouvidos já puderam degustar. Ressignifiquei a palavra. Para o amor que hoje me habita da cabeça aos pés, não havia dicionário que o decifrasse. Nesse ano, como em tantos outros anos, o encontro com a humanidade e esse nefasto universo que por ironia do destino não irei de conhecer, me mostrou que amar é estar presente além daquilo que os olhos podem ver. É não ser ferradura que amansa, mas sim, ser a mão que acaricia o simbolismo de estar no presente. Ser afeto. Cuidado. Abraçar o infinito que cabe no meu corpo. Não ser posse e nem poder, mas sim, partilhar o gosto da libido que dá tesão em viver.
O trabalho, virou minha casa que cuido e rego todos os dias pelo bem-estar dos oprimidos e submissos a margem do social. O trabalho, embora minhas criticas ainda há de persistir sob a própria dinâmica do capital que corrompe a humanidade, me trouxe aconchego como berço de ninar. Pode ser contraditório, mas se encontrar e reencontrar é própria contradição que a vida nos coloca.
E ainda sim, não digo que irei deixar se apagar meu ritual de rabiscos em papeis para o próximo ano, como o faço aqui nesse exato momento escrevendo tantos outros ideais imaginários que me anseiam. Mas o que levo desse ano é que, como tantos outros anos, o ato de se moldar e lapidar, é também um ato de reviver e sobreviver.
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