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A peça em vários atos

Peter Rossi

Angélica era uma fotógrafa das mais competentes e, por isso mesmo, cobiçada. Seus trabalhos, admirados por todos, frequentavam assiduamente as paredes das galerias de arte e as revistas especializadas.

Durante sua vida profissional, protagonizou momentos imortalizados pelas lentes de suas câmeras.

Na nossa cidade, quem quisesse o trabalho mais bem feito na área precisava contratar Angélica. E mesmo que estivesse de viés ou num dia de pouca inspiração, ainda assim seu trabalho se fazia notar, um diferencial de qualidade abissal em relação à média do mercado.

Angélica, em si, era simples de dar dó, como ainda se diz no interior. Moça faceira, alegre, amiga dos amigos e absolutamente antenada com os momentos culturais da cidade.

Um show? Lá estava Angélica. Uma peça de teatro protagonizada por um ator famoso? Certeza de encontrar Angélica na plateia.

A bem da verdade, a moça era useira e vezeira em tudo que se referisse a cultura. Se sentia órfã se perdesse qualquer atividade. Nem precisava de convite, bastava noticiar e nossa amiga já estava na fila dos ingressos.

O que pouca gente percebia é que Angélica costumava comparecer a determinados shows mais de uma vez. Era comum, embora não tão explícito, que numa turnê de três dias de uma peça de teatro por aqui, a fotógrafa comparecesse a todas as sessões.

E isso acontecia mesmo. Certa vez recebi um cantor famoso, muito meu amigo, que infelizmente não está mais entre nós. Ele faria três apresentações em nossa cidade, uma na sexta, outra no sábado e, finalmente, no domingo. Como seu anfitrião, me senti na obrigação de comparecer em todas as três apresentações, até porque, além de gostar demais do seu trabalho, queria desfrutar ao máximo de sua presença.

E não é que, por uma coincidência ou outra, topei com Angélica em todas as noites? Cumprimentei, achei estranho, mas não fiz qualquer questionamento. Enquanto me dirigia para minha cadeira tentei formular uma justificativa: será que está aqui a trabalho? Veio mais de uma vez com amigos diferentes? Enfim, não cheguei a nenhuma conclusão.

O show decorreu como esperado e, ao final, me dirigi ao camarim para buscar o amigo. Lá estava Angélica, tirando fotos mil.

Minha curiosidade foi atiçada. Por instantes me contive, mas explodiu e num momento de pouca ou nenhuma cortesia, perguntei à moça o motivo de ter vindo em todas as apresentações. Apressei a dizer que era amigo do cantor nordestino e que assim agi para ajudá-lo e conviver mais amiúde. Apressei em me justiçar, até porque agira da mesma maneira. Em todas as sessões lá estava eu. Ela se assustou. Colocou o indicador esticado em frente aos lábios, como naqueles cartazes de hospital.

Fiquei na minha e, num gesto repentino a convidei para jantar conosco. Seria uma oportunidade de mais fotos e de um momento mais íntimo com o artista, que ela também parecia adorar.

Angélica não se fez de rogada. Fomos a uma cantina italiana muito famosa e desfrutamos de uma noite inesquecível. No vai-e-vem da mesa, calhou de ficarmos sós, assentados. Mais que depressa, lembrei da pergunta que ficou sem resposta:

– E então, Angélica, você não me disse a razão pela qual veio ao show todos os dias. Gosta tanto assim da música dele?

– Olha, gostar eu gosto, mas não foi esse o motivo. Vou te contar, mas você promete que não fala pra ninguém? Morro de vergonha.

– Prometo. Disse eu.

– Sabe o que é? Eu faço assim com todo e qualquer show, filme ou peça de teatro. Assim que as luzes se apagam me dá um sono incrível e eu acabo dormindo em determinados momentos da apresentação. Assim, para não perder nada, assisto a todas as sessões, e vou colando as imagens umas nas outras, é uma forma de assistir ao show por inteiro.

O artista chegou à mesa, o assunto parou por aí.

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