Victória Farias
Um dia eu tive um sonho estranho. Nele, alguém sussurrava para mim: “o inferno ainda não começou”. Ao acordar, pensei em todas as implicações bíblicas que essa frase poderia indicar. O anjo caído, será que ele conseguiu recuperar a sua glória? Os grandes portões do inferno, que em sua entrada avisam “deixai toda esperança, ó vós que entrais” só serão abertos depois da segunda vinda de Cristo? E se houver uma segunda vinda, seremos pegos de surpresa ou teremos 30 anos para escolher as roupas para esse momento histórico? E por que eu? A quem interessa que eu saiba que o inferno ainda não começou?
Caminhando pela literatura, podemos ver diferentes entendimentos do que o inferno pode ser. Para Dante, é o “profundo fosso doloroso / que acolhe o eco de infinitos ais”, destacando que ouvir o sofrimento do outro é pior do que suportar o seu próprio. Para José Saramago, o inferno poderia ser suportável se não fosse o cheiro de tudo. Para PKD, se não fosse o frio, poderíamos passar toda a eternidade à mercê do sofrimento. O que me faz pensar que o inferno nada mais é do que humano. O corpo em todos os seus sentidos, a pele em todas as suas dores. O paraíso, por outro lado, é habitado por almas beatas de Beatriz. Não podemos sentir com o espírito, e é por isso que ele é o único que pode ser salvo e salvado. “Salve a sua alma!”.
O inferno ainda não começou porque ainda estamos aqui. Começará quando limites que não conhecemos e não sabemos onde começam e nem onde terminam forem quebrados. O corpo, diferente de como pensávamos, não é finito. É infinito assim como será a infinitude do nosso sofrimento. Eu não suportarei a lamúria, o cheiro de carne e muito menos o frio em brasa. O que devo fazer? Guardarei esse aviso de que “o inferno ainda não começou” na alma e, se tiver sorte, serei salva com ela.