Eduardo era um menino ativo, com grandes olhos negros e brilhantes. Com um sorriso ingênuo no rosto, corria de um lado para o outro e era o orgulho dos pais.
Nas reuniões de família era sempre desafiado a responder todas as capitais dos países do mundo e acertava sempre. Seu Estevão estufava o peito e alardeava:
– Esse menino vai ser professor ou cientista, ele sabe tudo!
Dona Sônia, por sua vez, não continha o sorriso cheio de dentes. Passava a mãos nos cabelos do menino, mas nada falava.
Eduardo, já chegando aos doze anos, mantinha uma rígida rotina de estudos. Chegava da aula, almoçava e, após alguns minutos de soneca já pegava nos livros e cadernos e era um tal de estudar e estudar, desenhar e colorir.
Sônia, vez ou outra, abria a porta do quarto, e lá estava Eduardo debruçado na escrivaninha, com um caderno aberto e o lápis de cor nas mãos. Ela fechava devagarinho a porta e ia preparar uma merenda deliciosa, afinal saco vazio não para em pé, pensava.
– Meu filho, pare um pouco, descanse. Trouxe aqui uma broa de milho quentinha e café com leite. Vez ou outra, em dia de muito calor, D. Sônia levava um copo de K-Suco, sabor uva.
Eduardo agradecia e comendo vorazmente mandava um beijo estalado para a mãe.
Alguns minutos depois e lá estava o menino deitado na cama, com o livro aberto em frente aos olhos.
Sônia chegava a ficar preocupada e vez ou outra comentava com o marido:
– Estevão do céu, esse menino só faz estudar. Precisamos arranjar alguma atividade para ele.
Seu Estevão concordou e após muito pensar, resolveu comprar uma bicicleta para o filho. Nos primeiros dias foi uma alegria só, ele pedalava por aquelas ladeiras até o suor pingar. Mas, com o tempo, a paixão pela magrela foi diminuindo e acabou abandonada na dispensa da casa. Eduardo voltava para a rotina de sempre, estudando e estudando.
As atividades na escola, à medida que o menino crescia, cresciam junto e seu Estevão e D. Sônia começaram a perceber que as notas do filho já não eram boas como antes.
O que estava acontecendo? Será que o menino está doente? Perguntava seu Estevão a si mesmo.
As coisas continuaram, e resolveram eles ir até o colégio para tentar descobrir alguma coisa. A conversa com D. Waldete, a diretora, não foi das mais amenas.
– Eduardo está tirando as notas que merece. Vejam os senhores, aqui estão as provas, ele quase não respondeu nada. Vejam com os próprios olhos!
Apesar de baixinha, ela gesticulava, brandindo as folhas de papel! A diretora, com os olhos crispados, não aceitava ser desafiada. Sempre fora muito justa e as reclamações, ao seu ver infundadas, a molestavam por demais.
– Meu Deus, veja só mulher, nosso filho pouco escreveu na prova.
– Mas ele estuda tanto, Estevão, como pode ser?
Agradeceram a diretora e, envergonhados, de cabeça baixa, voltaram para casa. Iam ter uma conversa séria com Eduardo.
Assim que chegaram, logo entraram no quarto do menino, que estava dormindo, com um livro aberto em seu peito. Por um instante a mãe teve um gesto de ternura, e com todo cuidado tirou o livro. Foi quando uma revista em quadrinhos caiu no chão.
Seu Estevão não se conteve:
– Aí está Sônia, veja a prova do crime! Eduardo abre o livro e encaixa dentro dele uma revista em quadrinhos. Estamos pensando que ele está estudando, mas na verdade ele está perdendo tempo com essas baboseiras.
Já ia acordar o jovem com um gesto bruto, quando a mãe interveio.
– Calma, homem, vamos aproveitar e olhar outras coisas.
Fuxicando daqui e dali, encontraram outros livros, alguns deles com revistinhas dentro. Mexeram nos cadernos e não viram um dever de casa sequer, só desenhos e desenhos, cada um mais colorido que o outro. E não é que o moleque desenhava bem? Pensou D. Sônia.
Aquilo era demais! Eles estavam sendo enganados e se arrependeram dos elogios que sempre fizeram, quando Eduardo declamava as capitais dos países do mundo. D. Sônia, com a voz embargada e contendo o choro, que parecia explodir em seu peito, tirou o marido dali.
– Estevão, meu velho, vamos ter uma conversa séria com esse menino assim que ele acordar. Deixa Eduardo dormir.
No final da tarde, estavam Sônia e Estevão na varanda, quando entrou Eduardo, com os olhos ainda inchados.
– Uai, vocês estão aí? Pai, você voltou cedo do trabalho. Tô com uma fome mãe.
O pai chegou a ser ríspido: – senta ai menino! Precisamos conversar.
Eduardo, que sempre fora bajulado pelos pais, assustou com tudo aquilo, mas logo cuidou de sentar-se num banquinho que estava no canto.
– Veja só, Eduardo – começou a mãe – estamos observando que suas notas na escola caíram demais.
– Fomos conversar com a diretora – atalhou seu Estevão! Uma vergonha, ela nos mostrou os seus trabalhos e ainda nos contou que durante as aulas parece que você está em outro mundo. O que está acontecendo, meu filho?
Eduardo era filho único, Estevão e Sônia não compreendiam que a vida tem fases e todos nós acabamos passando por elas. Descobrimos outros interesses, outras vontades. As namoradas, e com elas as paixões, aparecem. Pensamos em futebol, em figurinha, em amigos, em abraços e até em beijos pensamos. Nosso corpo vai mudando e a gente sem entender nada.
– Anda meu filho, fala alguma coisa!
– Mãe, pai, vocês sabem que eu estudo muito, todos os dias.
– Mentira, Eduardo, e eu sua mãe descobrimos que você esconde revistas dentro dos livros para nos enganar. Vemos você com o livro em frente aos olhos e acreditamos que está estudando, quando na verdade, está vendo figurinhas.
O coração do menino acelerou. Ficou branco, com medo de perguntar se o pai encontrou a revista com umas fotografias de mulher. Me Deus, se ele encontrou, estaria perdido!
Deixou o assunto fluir e a D. Sônia emendou:
– Meu filho, no caderno só vi desenhos. São lindos – nesse momento percebeu um olhar severo do marido – mas não vi nenhum dever de casa.
Eduardo ficava calado, cabeça baixa, arrastando os pequenos pés no piso da varanda.
– Fala alguma coisa, menino! Se defenda! Seu pai e eu estamos esperando alguma explicação.
A essa altura Eduardo percebeu que o pior não tinha acontecido. O pai não encontrou a revista com fotos de mulher pelada. Tanto melhor.
– Sabe o que é gente? Eu estudo sim. De vez em quando leio uma revistinha pra esfriar a cabeça, senão o miolo derrete. Você sabe bem, meu pai, que eu sei declamar todas as capitais do mundo. Eu estudo sim. E os desenhos mãe, é porque minha cabeça às vezes voa aí eu pego o lápis de cor e vou rabiscando o que me dá na telha. É bonito, não é? A senhora mesma falou.
– Não enrola menino. Suas notas estão ruins, vimos as suas provas. Você não está explicando nada, retrucou o pai.
Eduardo pensou, pensou e após alguns segundos se levantou do banquinho e encarou os pais:
– Mãe, pai, como eu falei, eu estudo sim. Gosto das matérias que aprendo na escola, mas o problema, o problema é que…
– Desembucha, rapaz!
– O problema é que eu não se dou com prova. Estudar eu estudo, mas a danada da prova, eu não se dou bem com ela! É isso que acontece!
Estevão e Sônia se entreolharam. Falar o quê?
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Muito bom!
Por um momento ,lembrei de mim!! Só que em vez das revistas, eram romances!!
Ótimo texto.
Ah a infância povoada de revistinha sem redes sociais, sem tik tok, sem video game. Muito bem Peter. Lendo pude ver as cenas.