Ando carente de relatos de alegria. Alguém que me conte que está apaixonado, pisando a calçada como quem pisa as nuvens. Alguém absolutamente feliz com uma viagem que está planejando para o verão que logo inicia. Alguém que tenha curado definitivamente uma dor. Alguém que tenha projetos bem loucos com amigos incríveis. Ando carente de sonhos e de felicidades. De futuros reluzentes e dançantes. De alegrias vindouras.
As alegrias andam muito ínfimas e, por demais, fugazes. E as tristezas andam nos soterrando tanto – e há tanto tempo – que eu bem gostaria de, mais vezes por dia, me recolher em algum lugar imaginário que me afastasse de todo esse concreto. Minha filha adolescente faz isso. E estou tão presa à dureza do cotidiano que me irrito: “Por que você nunca me escuta?”. E ela me olha, com aquele jeito etéreo de quem simplesmente não entende o motivo da minha irritação, e responde: “Tava brisando, mãe. Tava brisando…”
Me pego aqui, rindo sozinha, e pensando no quanto eu adoraria conhecer o verbo “brisar” no tempo em que vivia, eu mesma, tropeçando e caindo pelas ruas porque a alma estava nos futuros incríveis que a minha mente criava, ou nos amores que tecia em segredo, nas viagens que eu jamais faria… Brisar é tão bom que já me sinto como Frau Herta, em Ciranda de Pedra, ao interromper o sopro suave da brisa de Dora.
Meus amigos, quase todos, estão meio doloridos. A maioria deles, muito doloridos. Tentando florir entre os espinhos da crise econômica, da violência que parece quase natural, do excesso de trabalho – ou da falta dele –, da falta de amor – ou da guerra para sustentar um desamor que aprenderam a chamar de amor – e da absoluta falta de poesia destes tempos estranhos.
A gente anda vivendo com os olhos no futuro. Porque o futuro sempre salva. Mesmo quando não salva. “Tira um tarô pra mim, amiga? Veja se vou arrumar um emprego melhor. Olha aí se esse casamento tem salvação. Veja se meus filhos vão ficar bem. Olha aí nas cartas se ela volta para mim. Amiga, eu ainda vou ser feliz nesta existência?” Eu tiro. E às vezes as cartas se embaralham diante dos meus olhos e somem com o futuro feito sacis. E nessas horas eu gostaria de perguntar apenas: será que ainda vou brisar, feito Dora, mirando um futuro em que cabem planos, sonhos, trabalhos transformadores, paixões memoráveis e uma calçada dura transformada em nuvens de algodão? Será que a brisa ainda sopra nos sonhos de quem já perdeu tempo demais?
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Que maravilha desfrutar do seu conto.
Sinto a boa sensação da vida viva e das transformações que sua alma vai vivendo e nos inspira o brilho nos olhos das aventuras possível.
Bonito de ver o dom de cada um colocado ao alcance do outro, de outros(as)...
Parabéns Daniela