(texto original publicado em 20 de abril de 2022)
Quando minha filha nasceu eu tive depressão pós-parto. Não foram aqueles primeiros dias de emoções novas e desmedidas somadas aos ajustes na rotina que me fizeram me sentir triste.
Foi mesmo um estado emocional duradouro e renitente sustentado por diversos pilares: um destempero hormonal horroroso que me fazia sentir péssima a maior parte do tempo; uma privação crônica de sono que vinha não porque ela não dormisse, mas porque o meu constante estado de alerta não me deixava relaxar; uma mudança brusca na rotina que eu vivi praticamente sozinha pois meu então companheiro trabalhava durante a semana fora da cidade; a imposição das mudanças corporais – seios, barriga, cabelos e dentes; uma sensação permanente de despersonalização: quem eu era agora? quem eu tinha sido até aquele momento? quem eu seria a partir dali?
Além disso, a minha dificuldade de reconhecer que eu precisava de ajuda e de aceitar que eu tinha um problema que não passaria sozinho também intensificaram o meu sofrimento. O meu profundo senso de independência não me permitia ver o que o psiquiatra revelou na primeira consulta: “Psicólogo também tem depressão”.
Quando minha filha nasceu, eu tive a certeza da morte e, ao mesmo tempo, a certeza de que não poderia nem mesmo morrer. Na época, fiz um seguro de vida com apenas 28 anos, sentindo um peso desproporcional que era cuidar, me responsabilizar e ser exemplo para um ser humano.
Quando minha filha nasceu eu não tive o que era para ser. O ápice da felicidade. A realização máxima da mulher em toda a sua plenitude. Senti mesmo a sensação irrefutável de que eu seria a prisioneira perpétua daquela rotina. Refém daquilo que eu tanto tinha desejado.
Fiz tratamento com antidepressivo por quase dois anos e, passados 11 anos do nascimento da Laura, eu escrevo para dizer que a vida nunca acontece do jeito que era para ser ser. Nem na maternidade nem nos outros campos. Não acreditem nessa verdade. Rejeitem essa idealização que nos vendem. A gente se projeta, deseja, planeja, mas sempre somos surpreendidos. A doença sempre é precoce e ameaça. O casamento acaba e acaba também o “para sempre”. O curso que fazia muito sentido na teoria, na prática não tem relevância alguma. Aqueles que amamos morrem e também morre uma parte da gente junto.
Meu querido amigo Eduardo escreveu na semana passada sobre a cura da tristeza e eu li com a lupa do luto. O luto daquilo “que era para ser”. A vida nos impõe lutos concretos e simbólicos da gente mesmo e nos dá a chance de transformação. Conhecer o outro leva tempo, mas conhecer a nós mesmos leva uma vida. No fundo, no fundo, a gente precisa saber que uma luta que você não acredita já é uma luta vencida. No fundo, no fundo, a gente deve aprender a conviver com a gente mesmo e reconhecer a grandeza que é o exercício do recomeço. E o início nunca é fácil.
Foto: Tirada no dia do nascimento da Laura – 18/10/10 – crédito: Marina Ushiro
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