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Recomeços

Rosangela Maluf

Chego um pouco depois da hora marcada para a comemoração daquele aniversário.

Feliciano encontra-se à porta do casarão esperando pelos convidados. Parece uma criança olhando para cada carro que chega e estaciona no enorme pátio em frente a casa.

Dá gosto ver a alegria estampada em seu sorriso escancarado. A cada convidado, a cada abraço o melhor sorriso do mundo. A cada beijo, a cada afago, a maior satisfação por ver tantos amigos ali reunidos.

Alicinha ajuda recepcionar os convidados. É ela quem se encarrega de guardar os presentes, as garrafas de vinho e de acompanhar os mais idosos até o local da festa.
-São sessenta anos, ele diz orgulhoso. Que bênção tem sido minha vida até aqui. Quanta coisa boa, hein gente? E todos concordam.

Entro na fila do abraço e constato que não sou a única a me atrasar. Muita gente aguardando para abraçar o aniversariante. Dou uma espiada pra ver se reconheço alguém, mas não vejo ninguém da nossa turma.

Como estou sozinha, sigo em silêncio até chegar perto dele. Recebo logo cinco beijos em um só lado do meu rosto. Um abraço apertado, demorado. Mais três beijos no outro lado do rosto.

Alicinha vem me salvar do constrangimento. Acho que ela ainda se lembra da minha timidez e do rosto que se transforma em brasa por qualquer motivo. Nos abraçamos e confessamos a saudade que sentimos uma da outra e dos outros “meninos” da turma.

Gentilmente ela me conduz até o jardim onde várias mesinhas esperam pelos convidados. Como estou sem os óculos, aperto os olhos pra melhor enxergar, na esperança de que a miopia colabore.

Vejo sinais agitados vindos de uma mesa, mais ao fundo.

Mesmo sem reconhecer as pessoas, me aproximo e felizmente encontro o famoso quarteto já reunido, tomando vinho e puxando pra mim uma cadeira. Abraço e beijo a todos, mas continuo quieta, respondendo ao que me perguntam e procurando sorrir sempre – quero parecer mais simpática, sorridente.

O tempo faz estragos, muitos.

O tempo traz bênçãos e alegrias, muitas.

O tempo é cruel, sim, muito cruel.

E passa rápido, voa.

Parece que foi ontem que nos divertíamos, deitados na grama, em frente a Biblioteca e agora vejam só… comemorando os sessenta anos do Feliciano! Porra, véi, sessenta anos. Um velho, um idoso. Risos.

Mais pessoas chegam. As mesinhas todas ocupadas. Conseguimos ajeitar mais umas tantas cadeiras na certeza de que o Trio, como sempre, chegaria atrasado. Eram as Três Marias que alegravam nossos tempos de faculdade. Não mudaram nada, continuam a mesma coisa de antes: espirituosas, divertidas, falando muita bobagem e fazendo nossa alegria.

Uma vez todos reunidos e ligeiramente bêbados, começaram as lembranças dos anos vividos juntos. Muito riso. Gargalhadas. Tempo bom. Tempo leve, sem conta pra pagar, sem responsabilidades, apenas notas boas que nos permitissem passar de ano.

Os finais de semana sempre com uma festinha pra celebrar a vida. Álcool à vontade, um “baseado” pra quem quisesse y otras cositas más. Lembranças de “causos” muito, muito divertidos. Uma risadaria só.

Somos onze, nas quatro mesas unidas.

Apenas Feliciano e Alicinha continuam casados.

Todos nós, separados. Sete mulheres e quatro homens. Dezenas de piadas…Morremos de tanto rir. Comentários maldosos sobre os ex’s. Rimos muito. Os finais dos casamentos, contados de modo cinematográfico. Mais risos. Todas as histórias contadas com o máximo de exagero.

O casal anfitrião se aproxima e quer saber porque rimos tanto. Estamos alegres, diz Lena com a maior falsidade do mundo. Aí resolvem me perguntar sobre a minha vida atual. Logo eu?

Antes porém Feliciano pede licença e inicia aquele pequeno discurso de agradecimento, ensaiado para receber cada um da nossa turma de adolescentes que viveram junto ou próximos, por anos.

É muito aplaudido, vários comentários, e lá se vai o casal dar atenção aos outros convidados. Voltamos para nossa realidade: evito responder, não quero falar. Continuo tão tímida quanto nos tempos da faculdade. Melhorei muito pouco, diz o Renatinho. Alguns discordam e querem que eu me abra um pouco.

Só um pouco, digo!

-Trabalho em Lagoa Azul. Lá tenho meu consultório, trabalho no hospital da cidade e atendo em três cidades próximas. Sim, me casei. Me separei. Não tive filhos. Moro só. Pais falecidos e como filha única, mais só ainda estou. Não tenho do que reclamar. Sou feliz a meu modo. Independente, livre, plena na maior parte do tempo e sem a menor necessidade de companhia, companheiro, ou qualquer coisa semelhante.

Aplaudem com entusiasmo meu pequeno discurso. Fico ainda mais constrangida. Ah, esta turma! Cada um faz o seu resumo e alguns, apresentam teatralmente a sua história de vida. Teatralmente mesmo… verdadeiros atores. Muitas gargalhadas.

Em frente a mim, na mesa da Telminha, um colega dos tempos de escola. Ainda muito bonito, cabelo grisalho, barba (adoro!), óculos bem modernos… Pouco me lembrava do Casimiro. Éramos próximos naquela época, mas depois de formados nunca mais nos vimos. Ninguém lhe dava atenção, era um cara magrelo, tímido como eu , calado, sem graça. Por isto, quase não reconheci naquele homem tão bonito, o meu amigo de anos atrás.

Comecei a repará-lo com mais atenção.

Um pouco mais gordo, é claro, mas bastante charmoso.

Muito me agradou o que passei a ver com outro olhar. Senti que ele me olhava de maneira diferente. Eram muitos sorrisos, muitos olhares e fui me entusiasmando. A cada minuto que eu olhava pra ele, ele já estava me olhando. Assim foi todo o tempo. Me senti com dezoito aninhos, ou menos!

Redescobri um friozinho na barriga e tal qual uma adolescente permiti que ele se aproximasse, A cadeira colada à minha, o braço no meu ombro. Olhares intensos. Muito intensos. Palavras doces e safadas ditas em meu ouvido. Eu ria, achando tudo tão divertido e maravilhada com aqueles beijos tão bons. Muito bons. Bons como fazia tempo eu não sentia. Deliciosos, pra falar a verdade.

Já bem tarde quando nos despedimos Casimiro não se foi. Ficou por último, junto comigo. Um abraço apertado, mas que não foi de adeus.

Foi um convite.

E eu aceitei!

* * *

– Sim, Alicinha. Quero muito que vocês venham.

O Casimiro faz questão da sua presença e do Feliciano. A turma toda já confirmou presença. Estamos animadíssimos. Você sabe, não é todo dia que se pode comemorar sessenta anos, assim em grande estilo.

Pois é… sim, isto mesmo. Vou falar pra ele. Sim. Esperamos vocês.

Será muito bom reunir de novo a nossa turma. Tá bom. Até lá então…

Beijos.

*
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