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Maritaca

Peter Rossi

Na minha terra bando de maritacas, numa algazarra imensa, fofocam e sorriem, e depois pousam nas mangueiras. Verdes como as folhas, ficam por lá e se emudecem. Dormem, será? Prefiro as maritacas bem acordadas e procuro entender sobre o que tanto conversam.

Para os que não conhecem, as maritacas são como pequenos papagaios, verdes, completamente verdes, e voam em bandos numa barulheira só!

Minha pequena cidade é assim, tem o solo amarelo de ouro, gente boa e feliz a caminhar pelos morros, ziguezagueando por sobre as pedras roliças, sem cansar, e o céu repleto de maritacas. São tão boas essas lembranças que penso que é até melhor que fiquem lá, naquele cantinho do meu coração. É essa saudade que me faz, entre uma intempérie e outra, imaginar que o mundo é bom, mesmo quando sombreia minha dor.

O mundo é assim, tardeia o sonho e sem alarde nos faz perceber que a ansiedade não se justifica. O que nos falta são olhares apurados, olhares de águia. Emprestados às maritacas, elas continuariam a gritar pelo céu, mas veriam muito mais. Nesse feixe de luz e contrastes, seguimos todos. Somos nós mesmos, apenas enxergamos mais, apesar das retinas cansadas.

Os enigmas se desdobram e no fundo do seu fim, percebemos que nada mais são do que efetivamente são: enigmas! E isso apenas pela nossa infindável curiosidade em encontrar, desenterrar e mesmo fabricar problemas. Porque não fazer como as maritacas pousadas na mangueira, ali espreguiçando de tanto céu?

Ah que saudade desses tempos em que não tinha tempo para sofrimentos. Queria só caminhar por aquelas ruas esperando o céu, no final de tarde, se encher de maritacas, pequenas, verdes e barulhentas.

Trazemos dentro de nós uma verdadeira ogiva, uma mina esquecida nas terras de Angola. Qualquer mínimo gesto é suficiente para que o problema exploda, muitas vezes em proporções desproporcionais.

Precisamos exorcizar esses pensamentos e como as maritacas, nos misturar ao verde, sob o azul e, entre um galho e outro da árvore, no final do dia, simplesmente conversar e conversar, sem qualquer percalço ou desconfiança de que algo pior vai acontecer.

Algo sempre acontece, essa é a roda da vida, mas o conceito de melhor ou pior é puro ângulo de visão, mera estatística. A gente nem sempre percebe, mas somos mesmo genocidas da própria felicidade.

É por essas e outras que eu, por acreditar piamente na reencarnação e que os animais são os seres superiores do planeta, já fiz meu pleito – quando voltar, que seja como maritaca!

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