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Uma carona inusitada

Silvia Ribeiro

Um sol escaldante se exibia sem a menor piedade fazendo com que o suor escorresse pelo meu rosto causando um incômodo insuportável, ainda assim os compromissos não podiam esperar.

Naquele dia tudo parecia chato, as minhas pernas doíam e pesavam como se nelas houvesse uma bola de boliche dificultando o meu andar, me dando a certeza de que os acontecimentos conspiraravam contra mim.

O ônibus sequer dava notícias aumentando ainda mais a minha sensação de calor. Já jogando a toalha avistei um degrau na porta de uma loja fechada e me sentei. Naquele instante todo o meu corpo agradeceu e quis ficar ali pra sempre.

Usufruindo daquele estranho conforto algo me tirou de dentro de alguns pensamentos emburrados. Um rapaz bem apessoado, com traços educados parou em frente a calçada e me perguntou como fazia para chegar ao centro da cidade, e em meio à uma desconfiança merecida tentei ajudá-lo com algumas explicações que não tiveram muita serventia.

Até que ele me disse: você não quer ir junto comigo pra me ensinar o caminho?

Ele tinha um jeito de bom moço e isso inquietava as minhas dúvidas, mas não me fazia esquecer que a maldade nem sempre tem cara feia. Disfarcei até encontrar um argumento pra minha recusa, e mesmo assim ele se mostrou disposto na sua tentativa.

A única coisa que eu me lembrava naquela hora era da minha mãe dizendo: não converse com estranhos. Porém, parecia que a vida naquele dia estava disposta à quebrar regras.

Uma voz sem rosto me confrontou e disse pra que eu entrasse dentro do carro, e foi o que eu fiz. Foi como se aquela voz exercesse uma autoridade sobre mim e amortecesse toda lucidez que reinava em meu cérebro.

Durante o trajeto tudo foi baseado em assuntos banais e sem muitas exposições, até mesmo pra amenizar o clima. Chegando no local desejado ele se mostrou extremamente agradecido e pediu o número do meu celular.

Naquele momento uma venda caiu dos meus olhos deixando tudo límpido e lentamente fui me dando conta do que eu havia feito. Quem me conhece sabe da minha rigidez com esses cuidados e nem eu mesma podia acreditar no ocorrido, no entanto cheguei à conclusão que depois de toda aquela aventura o número do celular era o menos importante diante de todo um provável risco que eu havia corrido.

Ao descer do carro as minhas pernas já haviam se esquecido de doer e tremiam de um jeito incontrolável, e um tanto atordoada fiz o que eu precisava rapidamente e só desejei voltar para a segurança do meu doce lar.

Na volta pra casa um burburinho ressoava dentro do ônibus entre o motorista, o trocador, e alguns passageiros. E logo dei um jeito de me colocar a par do acontecido.

Pra minha surpresa, a notícia era que um roubo havia acontecido dentro do ônibus que seguia rumo ao centro da cidade no horário previsto do meu embarque.

Hoje me pergunto:

De quem seria a voz que me ofereceu aquela carona inusitada?

*
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