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As sementes do Jotapê

Daniela Mata Machado

Para João Paulo Cunha, in memorian

Eu queria falar de João. Porque não posso falar de outra coisa. Ou de outra pessoa. Ou das notícias. Tem que ser de João. Mas, ao mesmo tempo, não consigo falar de João. Tudo parece pequeno, pobre e frágil como a minha própria fragilidade, que me impediu de reencontrá-lo em tempo de explicar que sumi porque não conseguia me aproximar de nada que me lembrasse daquilo que eu tinha sido, e que agora já não podia ser. Meu Deus, como tudo isso agora parece pequeno diante da grandeza de João!

João Paulo Cunha foi o intelectual irretocável de que todos já disseram muito melhor do que eu seria capaz de fazer. Mas eu preciso falar é do Jopa. Do Jotapê. Do cara que, como bem lembrou a Maria Clara Prates, sentava no boteco e pedia “uma porção de cada” porque, como bom taurino, adorava comer bem. Do cara que saía de onde estivesse, a qualquer hora do dia ou da noite, para socorrer um amigo. Qualquer amigo. Aliás, nenhum amigo para o Jopa era “qualquer”. Cada pessoa que verdadeiramente o encontrou se sentiu a única no mundo inteiro. E era isso que fazia dele tão especial. 

Queria falar do Jopa que era alucinado pela filha Joana e fez com que todos os amigos se apaixonassem por ela também. E preciso falar do Jotapê que, depois de anos tendo todas as suas pretendentes sumariamente reprovadas pela legião de amigas que não acreditavam que nenhuma mulher estivesse à sua altura, se encantou por uma menina linda chamada Cibele e fez com que todos e todas nós entendêssemos que aquela era a escolha mais acertada que ele havia feito na vida. E, mais uma vez, ele estava certo.

Eu gostaria de me sentar no boteco com cada um de vocês, que agora lê esta crônica que talvez nem faça sentido nenhum, para contar das histórias, das viagens, da casa de Tiradentes e suas melhorias, daquela vez que ele tirou dinheiro do próprio bolso para garantir que eu fizesse a entrevista que finalmente havia conseguido com Chico Buarque, das gargalhadas, dos bares, da fé no futuro. E eu queria também falar da falta que ele já faz.

Mas o que eu preciso mesmo dizer é do que João Paulo Cunha deixou por aqui, nessa passagem curta pelo planetinha. E o que reverbera dele, iluminando tudo ao redor, é a delicadeza, a elegância e a doçura com que ele sempre pisou sobre a terra. Em cada texto que ele deixou escrito, em cada palestra que fez, em cada aula que deu e em cada afago que fez no coração de quem teve o privilégio de encontrá-lo, meu amigo Jotapê ajudou a semear a esperança em um mundo mais amoroso e mais solidário. Sigamos, pois, fazendo brotar as sementes que ele plantou. “Porque de amor estamos todos precisados.”

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