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Relíquias afetivas

Silvia Ribeiro

Somos colecionadores de relíquias afetivas. Nos interessamos por cada memória que emergem das nossas lembranças, como a Deusa das Águas banhando emoções que de maneira arruaceira torna as nossas dores efêmeras.

Pétalas de flores postas de lado na página de um livro de cabeceira e que carregam consigo a textura do passado apenas para atestar a façanha daquele momento, ainda que sem o frescor de um mesmo cenário.

Um guardanapo com alguns rabiscos entregue por um garçom numa noite qualquer, e que nos pregaram peças em demasia, antevendo uma experiência predileta e dando ênfase à uma maluquice totalmente passional.

Fotografias que testemunharam cenas de enredos valiosos e conversas que contracenaram com a nossa alegria, e que a poeira do tempo tratou de desfocar.

Um perfume que ao visitar as nossas biografias traz o nosso riso pra perto dos nossos faz-de-contas pedindo pra que os minutos durem um pouco mais.

Canções que esboçam compaixão pela ambiguidade de um repertório fracassado ou o aprazimento por composições que fizeram sucesso na vitrola dos nossos corações.

Desejos que nunca saíram de dentro de nós, imortalizados por uma brandura de sonhos que jamais se encorajaram, extraviando do seu destino sem se tornar palpável aos olhos de quem lhe era de direito, sobrevivendo no baú das nossas estimas.

Crises existenciais que nos mantém tensos, tentando reproduzir um mundo que tenha gente à moda antiga, e todos os rascunhos que rasgamos tentando escrever sobre os galanteios de outrora. Só pra matar a saudade.

Grandes amores que sobrevivem disfarçados de poemas ou se escondendo atrás de um viço que traz sabor à vida, e que em todas as primaveras convidam os nossos corações para um piquenique. Ou simplesmente suspiros de eternidades que flertam numa parede fria pedindo desculpas por não terem sobrevivido.

Colecionamos narrativas e sentimentos onipresentes e que de um jeito clássico decantam tudo aquilo que guardamos, e que se comovem com as conversas que dividimos com o travesseiro.

Mas o destino, logo muda de assunto.

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