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A tensão do calendário

Peter Rossi

A cada dia que passa, sobrevive, percebo as folhas do calendário mais elásticas. Parecem feitas de goma e, educadas, se assentam umas sobre as outras. Calmas, tranquilas, ocupando todos os espaços que nossos olhos aflitos insistem em pensar existir.

Na minha idade, percebo que os calendários de papel, leves, livres e soltos, não existem mais. Eles foram absolutamente úteis. Os pespontos me permitiam arrancar as folhas sem grande esforço, mas hoje esse não é mais o meu interesse.

As folhas do calendário, nesse momento, além de móveis, hão de ser flexíveis. Não necessariamente precisam se desgarrar umas das outras. São irmãs, ficam abraçadas. Mais velho, percebo que os dias voltam, ainda que seja em reflexão, mera imagem da avaliação que fazemos entre nossas rugas, sem maiores julgamentos. As rugas, aliás, são como as velhas, ou talvez novas, páginas do calendário, elas são dotadas de doses extremas de colágeno, esticam, espremem, embora permaneçam olhando o mundo de cima para baixo.

Fico aqui imaginando como a vida atrai essas dissonâncias. Quando jovens cuidamos de fazer tudo às pressas, pouco nos importando com o cenário, com as paredes decoradas a servir de umbral dos nossos jardins do tempo. Aliás as cenas nascem, desenvolvem e morrem sem que nós, como diretores, tenhamos o pulso firme do itinerário.

Mas viver é assim mesmo. Existe o tempo de tempo não existir. Corremos como crianças pelos parques de nossa infância sem se preocupar se é cedo ou tarde. Aliás, é o contrário: como crianças, nunca é tarde, pra nada! Existe outro tempo em que o tempo não é importante. Imprimimos velozes ritmos com a sede incansável de viver todas as experiências de uma vez só. Não sentimos gosto, apenas sorvemos em grandes doses os acontecimentos. Alguns deles, comemos crus.

Por fim, a vida aciona o freio de mão. Meio doido, mas não podemos mais ter a sensação de derrapar na curva. As molas dos amortecedores não são mais as mesmas, melhor seguir num ritmo sereno. Será? Não sei! Ainda não me acostumei muito com a sensação da marcha reduzida. Minhas costas doem, mas não me canso de mudar de lugar, ainda que legendada minha atitude com as reclamações que faço.

Estou, agora, na fase do devagar e sempre, embora isso seja um flagrante paradoxo. O sempre está longe de acontecer, muito ao contrário, o ocaso está logo ali, dobrando a esquina da próxima semana. Mas sigo devagar e, como é sábia a natureza, as folhas do calendário agora são maleáveis. Gritam quando alguém as pretendem rasgar. Elas não passam, simplesmente, se acumulam. 

As tensões da vida são amortecidas pela maciez das novas folhas do calendário. Nossas mãos, com tendões mais frágeis, também não se arvoram a maiores esforços. Mais acariciam do que arrancam. Mais oram do que insinuam, mais tremulam que agridem.

Nossas mãos seguem o ritmo do calendário maleável. E é melhor mesmo que seja assim. Nessa altura, o espaço para dissensões e dúvidas é mínimo. O fim está logo ali. A vida, de fato, é pródiga. Sublima a matéria-prima e transforma em carícia o nosso medo. Arranca de nossos ouvidos os gritos. Nos abraça. A vida é tanta que as folhas do calendário insistem em ficar ali, umas sobre as outras, como a esquecer que o tempo passa, nos permitindo a pensar assim também. Ainda bem! Vida pródiga, alerta, instantaneamente longeva!

Vida tecida com agulhas finas e tranquilas, calmas, a pontilhar cada nó, a abraçar cada lã…

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