Textos curtos da meia noite

Márcio Magno Passos
O apito do trem

O maquinista da Vale apitava insistentemente naquele mesmo local, independente da hora e do dia. Nada de regra de segurança, apenas mania, vício, exagero no aviso de chegada. Era um desnecessário apito longo e estridente que incomodava todo o bairro, principalmente aquele mecânico que não tinha hora certa para dormir de tanto que rebocava carros.

O mecânico descobriu o endereço do maquinista, certificou-se de que ele estava em casa, estacionou seu caminhão na porta à meia-noite e, de cinco em cinco minutos, abriu a buzina.
Menos de meia hora depois o maquinista abriu a porta da rua e gritou perguntando que bagunça era aquela.

– É a mesma bagunça que você faz na porta da minha casa todo dia que passa com aquele trem de ferro, respondeu o mecânico.

Até hoje ninguém mais ouviu o apito do trem.

Autoridade

O cara vivia uma má fase, quebrando galho daqui e dali, nadando contra a maré para buscar um lugar ao sol num mundo de muitas dificuldades e poucas oportunidades.

A sorte lhe sorriu já no final do ano passado quando, mais por acaso do que por consequência, se viu envolvido numa campanha eleitoral. O candidato foi eleito e ele, numa dessas situações em que o destino nos envolve, se viu nomeado secretário do dia para a noite.

Viu o poder ser colocado em suas mãos de uma hora para outra, tinha recursos à sua disposição, secretária, muita gente para ser mandada e a ele obedecida.
Enfiou os pés pelas mãos, virou chefe, avançou na lua como se fosse queijo.

Foi o primeiro a ser demitido mal o governo havia começado. Esqueceram de lhe avisar que o cargo era eventual, passageiro, de livre nomeação ou exoneração. Ainda não conseguiu entender o que aconteceu e mal se deu conta de que o ilusório poder lhe havia subido à cabeça.

Agora está ali na esquina esperando a poeira abaixar para voltar a viver a má fase, quebrando galho daqui e dali, nadando contra a maré e buscando lugar ao sol num mundo de muitas dificuldades e poucas oportunidades.

Bam-bam-bam

Ele não pagava ninguém. Sem crédito, endividou a mulher na praça. Mal educado e grosso, puxava saco de quem lhe interessava e elogiava quem lhe convinha, mas tratava com ignorância quem não lhe colocava vinténs de graça nos bolsos ou discordava de suas teorias de quintal.

Ainda assim se julgava o bam-bam-bam, o rei da bala chita, a última bolacha do pacote, a azeitona da empada ou a cereja do bolo. Apontava o dedo pra todo mundo e partia pra briga se alguém não gostasse – nem mesmo – de seu penteado.

Achava-se o paladino da moral e dos bons costumes, dono do passado, ombudsman do presente e fiador do futuro. No entanto, há muito detestava o trabalho, travestido que ficou de oportunista e aproveitador.

Quando morreu era só casca. Já não existia há muito tempo e não valia nem seu passado. Foi-se sem saber que morreu mesmo continuando vivo, vítima de sua arrogância e do faz de conta em que transformou sua vida.

Deu adeus curtindo aplausos que não existiam mais e se curvou orgulhoso até que o peso da consciência o obrigou a uma cambalhota sem volta. Ali jaz. Quem? Ninguém mais se lembra.

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