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Do que nos defendemos tanto?

Daniela Mata Machado

Quando a existência do outro é uma ameaça ao que quer que exista em nós mesmos, a vida precisa de barreiras, de fronteiras, de escudos… e de armas.

O número de pistolas liberadas pela Polícia Federal cresceu 170% nos últimos dois anos. Está na manchete de um jornal de hoje. As pessoas, no Brasil, estão se armando como nunca. Para se defender. 

Defendemos os nossos territórios, os nossos princípios, as nossas ideias, as nossas opiniões, as pessoas que amamos, nossos bens materiais, a nossa honra… e tudo isso que vai se perder no exato momento em que alguém imbuído de um instinto de defesa ainda mais forte do que o nosso, ou talvez mais corpulento ou mais rápido no gatilho, decidir se defender de nós. Porque sim, meus amigos, nós – pessoas de bem – também somos capazes de aguçar o pior nos outros. Embora nos seja tão difícil considerar essa possibilidade, nós também nos movemos muitas vezes pelos sentimentos mais vis, que tanto condenamos naqueles de quem nos defendemos.

Basta um tiro e os bens já não são mais nossos, o território com escritura lavrada em cartório será alvo de uma bélica disputa de herança – que, eventualmente, resultará em outros tiros – e a honra… ah, a honra… é provável que já não tenha valor nenhum sem o corpo que a sustentava.

Não, eu não vim aqui para convencer ninguém da falta de sentido de quase todas as disputas. As oscilações de energia milhares de vezes nos levam a elas e, quando vemos, já gritamos, nos destemperamos e entramos em conflitos que às vezes nem compreendemos porque existiram. Não é possível negar a presença dessa energia que subitamente nos aquece a face, acelera os batimentos cardíacos e parece comandar nossos movimentos em direção à destruição do que quer que pareça nos ameaçar.

Fingir que isso não nos acontece costuma provocar um estrago maior porque veremos o outro como alguém que, mais que nos ameaçar, nos parecerá feito de uma outra matéria que não a mesma nossa. Não há nada pior do que acreditar que esses ventos da raiva não nos acometem. Estamos todos igualmente sujeitos a eles. E nossa única chance é reconhecer quando se aproximam e alteram toda a energia ao nosso redor. Porque vão se aproximar. De todos e de cada um de nós.

Se pudermos entender que as energias mudam e tivermos como respirar até que voltem a se estabilizar, temos uma chance melhor. Se seguirmos acreditando que somos separados dos outros, melhores que eles e que precisamos, a todo custo, nos defendermos, estaremos sempre mais sujeitos à barbárie que tanto criticamos quando a vemos fora de nós. Se, além disso, estivermos armados, talvez sejamos a própria barbárie, ainda que não nos dermos conta disso.

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