Numa cidade do interior paulista, o filho do ex-prefeito mais querido era o candidato a prefeito. Homossexual não assumido publicamente, Melado estava disparado à frente nas pesquisas graças à história política do pai.
A oposição tentava uma saída para reverter o quadro e acabou apelando. Faltando dois dias para a eleição, mandou pintar vários muros da cidade com a frase “Melado é veado”. Sem muito tempo para pensar e o dia da eleição chegando, os partidários de Melado pintaram sobre os muros no dia seguinte: “Dar o… não é defeito, vote no filho do prefeito”. Melado ganhou a eleição.
O matuto mineiro chegou à rodoviária de Belo Horizonte, pendurou as mãos no buraco do guichê e pediu:
– Moço me dá aí uma passagem para Maria das Dores.
O bilheteiro olhou bem para a cara do matuto, reparou aquela simplicidade e fez um exercício de memória tentando lembrar onde ficava a cidade de Maria das Dores. Em vão. Pensou mais um pouco e, em seguida, apanhou um livro debaixo do balcão com os nomes dos quase novecentos municípios de Minas Gerais. Foi descendo o dedo pela letra eme, diminuiu o ritmo quando foi atravessando as marias e nada. Não encontrou nenhuma cidade com o nome de Maria das Dores. Voltou a olhar a cara do matuto e ficou com dó. Pegou o livro novamente e foi acompanhando atentamente de A a Z. Quem sabe a cidade estava fora da ordem alfabética? Nada. Tinha Maria de tudo quanto é jeito, menos Maria das Dores.
– Maria das Dores eu não conheço, não, avisou o bilheteiro.
– Arreda pra cá, Dasdor, que é pru home te conhecer, senão ocê num viaja, uai – disse o matuto puxando a mulher Maria das Dores para a frente do guichê.
Sabe aquele particular seu que você não conta para ninguém? E aquele segredo que você não revela nem sozinho à frente ao espelho? E aquele pensamento que cora de vermelho até sua própria cara? E a puta que pariu que você mandou sem ninguém ouvir? E os conceitos e desejos “proibidos” que você vai levar pra sepultura?
Cala-te, boca, porque o mais transparente dos transparentes e o mais franco dos francos têm seus particulares ou o eu que é só seu. Quem diz que não o tem, mente. Ou vive noutro mundo.
Tenha dez, vinte ou oitenta anos, parte significativa de sua vida é só sua e morre com você. Este é um assunto que me instiga, provoca e coça os dedos diante do teclado. É que tem o eu que é só meu. Alguém disse que somos um balão de emoções num mundo de alfinetes. Verdade. Ê vida besta, meu Deus!
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