Categories: Convidados

Textos curtos da meia noite

Márcio Magno Passos
Não é defeito

Numa cidade do interior paulista, o filho do ex-prefeito mais querido era o candidato a prefeito. Homossexual não assumido publicamente, Melado estava disparado à frente nas pesquisas graças à história política do pai.
A oposição tentava uma saída para reverter o quadro e acabou apelando. Faltando dois dias para a eleição, mandou pintar vários muros da cidade com a frase “Melado é veado”. Sem muito tempo para pensar e o dia da eleição chegando, os partidários de Melado pintaram sobre os muros no dia seguinte: “Dar o… não é defeito, vote no filho do prefeito”. Melado ganhou a eleição.

Maria das Dores

O matuto mineiro chegou à rodoviária de Belo Horizonte, pendurou as mãos no buraco do guichê e pediu:
– Moço me dá aí uma passagem para Maria das Dores.
O bilheteiro olhou bem para a cara do matuto, reparou aquela simplicidade e fez um exercício de memória tentando lembrar onde ficava a cidade de Maria das Dores. Em vão. Pensou mais um pouco e, em seguida, apanhou um livro debaixo do balcão com os nomes dos quase novecentos municípios de Minas Gerais. Foi descendo o dedo pela letra eme, diminuiu o ritmo quando foi atravessando as marias e nada. Não encontrou nenhuma cidade com o nome de Maria das Dores. Voltou a olhar a cara do matuto e ficou com dó. Pegou o livro novamente e foi acompanhando atentamente de A a Z. Quem sabe a cidade estava fora da ordem alfabética? Nada. Tinha Maria de tudo quanto é jeito, menos Maria das Dores.
– Maria das Dores eu não conheço, não, avisou o bilheteiro.
– Arreda pra cá, Dasdor, que é pru home te conhecer, senão ocê num viaja, uai – disse o matuto puxando a mulher Maria das Dores para a frente do guichê.

O eu que é só meu

Sabe aquele particular seu que você não conta para ninguém? E aquele segredo que você não revela nem sozinho à frente ao espelho? E aquele pensamento que cora de vermelho até sua própria cara? E a puta que pariu que você mandou sem ninguém ouvir? E os conceitos e desejos “proibidos” que você vai levar pra sepultura?
Cala-te, boca, porque o mais transparente dos transparentes e o mais franco dos francos têm seus particulares ou o eu que é só seu. Quem diz que não o tem, mente. Ou vive noutro mundo.
Tenha dez, vinte ou oitenta anos, parte significativa de sua vida é só sua e morre com você. Este é um assunto que me instiga, provoca e coça os dedos diante do teclado. É que tem o eu que é só meu. Alguém disse que somos um balão de emoções num mundo de alfinetes. Verdade. Ê vida besta, meu Deus!

*
Curta: Facebook / Instagram
Blogueiro

Recent Posts

Ainda pouca mas bendita chuva

Eduardo de Ávila Depois de cinco meses sem uma gota de água vinda do céu,…

6 horas ago

A vida pelo retrovisor

Silvia Ribeiro Tenho a sensação de estar vendo a vida pelo retrovisor. O tempo passa…

1 dia ago

É preciso comemorar

Mário Sérgio No dia 24 de outubro, quinta-feira, foi comemorado o Dia Mundial de Combate…

2 dias ago

Mãe

Rosangela Maluf Ah, bem que você poderia ter ficado mais um pouco; só um pouquinho…

2 dias ago

Calma que vai piorar

Tadeu Duarte tadeu.ufmg@gmail.com Depois que publiquei dois textos com a seleção de manchetes que escandalizam…

3 dias ago

Mercados Tailandeses

Wander Aguiar Para nós, brasileiros, a Tailândia geralmente está associada às suas praias de águas…

4 dias ago