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A cavalgada inesperada

Peter Rossi

Márcia era uma conceituada arquiteta e, em razão de seus inúmeros afazeres e centenas de clientes, não disponibilizava do tempo que queria para estar com a filha. Assim, qualquer minuto era precioso e num exercício de engenharia, dedicava à menina qualquer momento que lhe fosse permitido.

Os feriados, via de regra, eram sorvidos sempre com a jovem filha, nas mais diversas atividades: parque de diversões, praia, montanha e, invariavelmente fazenda. A menina adorava a vida no campo, como ocorre com as crianças de sua idade.

Atenta a tudo e a todos, observava o galinheiro, os patos e gansos no lago e os primos a pescar, dentre outras atividades.

Uma das coisas que mais gostava de fazer era andar a cavalo, mas essa tarefa era compartilhada com José Inácio, peão da fazenda, que tinha extrema habilidade com os animais. Aliás, parecia até conversar com eles. Um simples gesto seu e os cavalos vinham ao seu encontro, sempre de cabeça baixa, a esperar um carinho na crina.

José Inácio vivia na fazenda desde menino e a vida no campo era, efetivamente, a sua vida. Não conhecia outra, aliás.

O peão tinha um sentimento especial pela menina, até porque percebia em seu olhar o mesmo carinho dedicado aos animais. E José, apesar de homem chucro, era por demais inteligente. Conseguia perceber o bom coração das pessoas e sempre dizia que aquele que não tivesse apreço pelos animais não ia ter com Deus um dia. Ele tinha absoluta certeza de que os bichos eram a personificação divina na terra. Sou inclinado a concordar com José Inácio, embora nunca tenha topado com ele.

Mas falava da menina Luiza – esse era seu nome. Sentada na sela, à frente de José Inácio, ela deixava que os loiros cabelos se espalhassem ao sabor do vento, os olhinhos molhados de alegria, cavalgando em Tupã, um cavalo baio, amarronzado, com uma estrela branca na testa e grande olhos negros e brilhantes.

Já caminhava o fim da tarde, quando Luiza pediu a Márcia para que chamasse José Inácio, ela queria subir no lombo de Tupã.

D. Zinha, uma mulher gorda e socada que ouvia a conversa enquanto preparava uma broa de milho na cozinha apressou-se a dizer:

– José Inácio não está aqui dona menina, ele foi acompanhar outro peão em uma consulta. O moço tropeçou com a égua num cupinzeiro e voou lombo afora. Foram os dois pra vila, e José em cima de Tupã.

Os olhos de Luiza não esconderam a sua tristeza e decepção. Mas Márcia não iria deixar que isso acontecesse. Munida de coragem que não sabia que tinha, ordenou a D. Zinha que fosse ao curral e pedisse a algum peão para selar um cavalo manso. Ela mesma iria cavalgar com a filha.

Conhecia bem a fazenda e, afinal, o que demais poderia acontecer? E assim foram.

Esperando na varanda, mãe e filha de mãos dadas, viram Tonho chegar com a égua Beleza. Um animal de porte médio, mas elegante. A crina, muito negra, amarrada em tranças. Luiza ficou encantada com o animal e, por um momento, esqueceu de Tupã.

Subiram as duas na sela, auxiliadas por Tonho. Primeiro a mãe e em seguida Luiza, aninhada à frente, também com a mão nas rédeas do animal.

Márcia sentiu medo, mas procurou não deixar transparecer, em primeiro lugar para que a filha não perdesse aquele momento e também pelo fato de que ouvira contar que os animais percebem quando a montaria está temerosa e acabam por não atender aos comandos.

Seguiram andando em torno da casa grande, até para que todos se ambientassem com a situação. Melhor assim, iriam cavalgando e no final todos se acostumariam uns com os outros, pensou Márcia.

Mas aquele trote frouxo não era o que esperava Luiza e, num descuido da mãe, tomou o pequeno chicote de couro das mãos de Márcia e, não tendo acesso ao lombo do animal, começou a golpear o seu pescoço.

Prá que! O bicho não gostou, de jeito nenhum, daquele tratamento e saiu em louca disparada. Márcia, com uma das mãos abraçava a filha, mantendo seu corpo contra o dela, como a desejar que voltasse ao útero em segurança. Com a outra, segurava as rédeas, mas não sabia sequer o que fazer.

Tonho, o peão, percebendo aquela poeira toda e os gritos das duas, tentou apaziguar, se colocando à frente do animal, gesticulando com os braços.

De nada adiantou, Beleza, a égua, indignada com os golpes recebidos corria e corria, às vezes erguendo o pescoço, como a olhar para trás e dizer a Márcia e a Luiza que não deviam ter feito aquilo.

Mãe e filha, como espantalhos humanos, custavam a equilibrar no lombo do animal. Passando defronte à varanda, D. Zinha que lá estava, assistindo assustada tudo aquilo só pôde escutar a conversa das duas:

– Mãe, eu quero parar!

– Eu também Luiza, é o que mais quero nesse mundo.

*

P.S.: Essa história acabou bem. Minutos mais tarde José Inácio chegou e com a habilidade de sempre, conseguiu acalmar o animal. Todos saíram ilesos da aventura.

*
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