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O mistério no observatório

Magricela com peito escavado, espinhas espalhadas pelo rosto, óculos de fundo de garrafa e um punhado de revistinhas da Marvel debaixo do braço. Sim, Bernardinho congregava todas as características de um nerd em um só corpo mal-ajambrado de pré-adolescente. Só por uma façanha ele se destoava dos outros meninos de sua idade: aos 13 anos, o rapaz já dirigia a caminhonete vermelha Ford F-100 de seu pai pelas ruas da pacata Folhas Secas, no interior de Minas Gerais.

Tarde de uma noite, após mais uma interminável campanha de RGP na casa do Neto, envolvendo feiticeiras, guerreiros medievais e dragões de três cabeças, Bernardinho caminhava em direção à Ford F-100, estacionada do outro lado da rua, quando foi surpreendido por três moleques valentões. Eles vieram montados em bicicletas, a toda velocidade, em sua direção, e coube ao menino franzino tão somente fechar os olhos e aguardar o pior.

Um deles tirou-lhe uma fina pelo lado esquerdo. Outro, chegou a raspar o pedal da bicicleta em sua canela direita, o que mais tarde lhe renderia um ardido insuportável na hora do banho. E o terceiro, o maior deles, o que parecia ser o chefe da trupe, freou a dois centímetros de distância, encarando-o com olhos flamejantes e disse: olhe por onde anda, seu filhote de Chewbacca com Godzilla.

Bernardinho adorava o Star Wars, Chewbacca e todos os seres intergalácticos da maior franquia de filmes de ficção-científica da história, mas tinha pavor do Godzilla. Portanto, jamais perdoaria uma ofensa daquela — se os moleques não fossem mais velhos e se não tivessem em cima de bicicletas velozes.

Triste e humilhado, Bernardinho entrou na caminhonete, ligou o motor e começou a dirigir em direção a sua casa. E não é que dois quarteirões adiante, ele avistou novamente os três valentões circulando em suas bicicletas em uma rua escura e abandonada?

Inspirado pelos combates travados na sessão de RPG, Bernardinho resolveu agir. Eis a oportunidade de se vingar daqueles vilões mequetrefes. Apertou o volante nas mãos, pisou fundo o acelerador, abriu um sorriso malicioso de canto de boca e foi para cima deles. Só quando estava a pouco menos de dois metros dos grandalhões é que pisou no freio. As rodas travaram com um barulho estridente, e a Ford finalmente parou, levantando uma nuvem de poeira. Mas não antes de bater com força naquele que, pouco antes, havia sugerido um inaceitável parentesco entre Bernardinho e o monstro japonês.

Pensando ter matado o moleque, Bernardinho ficou estático, em choque, olhando, enquanto os dois parceiros ajudavam o moleque estrebuchado no chão. Quando Bernardinho percebeu que, apesar do impacto, o moleque já estava se pondo de pé, deu partida. Mas era tarde demais.

O valentão já havia se agarrado à carroceria da Ford F-100, e agora os outros dois capangas começavam a suspender as suas bicicletas para também subir no veículo e acompanhar o chefe. Então Bernardinho não teve escolha. Acelerou, cantando os pneus.

Apavorado, Bernardinho ziguezagueava em alta velocidade pelas ruas outrora tranquilas de Folhas Secas, na tentativa de desestabilizar os três marmanjos que se apinhavam na traseira da Ford F-100. Mas aquilo só deixou os valentões mais valentes, que passaram a esmurrar a lataria da caminhonete, fazendo barulho para burro e despertando os moradores das casas ao redor. Bernardinho então teve uma ideia. Logo adiante, desviou para uma estrada de chão poeirenta, em direção a um lugar em que só ele e os seus amigos conheciam.

O observatório.

Ficava a dois quilômetros após o cruzamento com a estrada de ferro, no alto de uma montanha, cujo acesso se dava por uma trilha estreita e perigosa demais para uma Ford F-100. Mas não era mesmo essa a intenção? Correr riscos e meter medo naqueles garotos idiotas que agora se encolhiam na carroceira da Ford, se perguntando para onde aquele nerd maluco estaria os levando.

Observatório foi o nome dado por Juninho ao local onde ele e os seus amigos nerds avistaram o objeto no céu. Era um avião em formato de disco que serpenteava no horizonte, riscando o céu escuro com luzes azuis.  Desde então, aquele fim de mundo, que demarcava a fronteira entre os municípios de Folhas Secas e Três Pontas, tornou-se ponto de encontro da turma de esquisitões, que observava o céu e sintonizava os seus walkie-talkies em frequências estranhas, na esperança de firmar contato com seres extraterrestres.

Mas, naquela noite escura, em que trazia três praticantes de bullying raivosos como cães na traseira da caminhonete, não havia seus amigos nerds por perto, nem walkie-talkies, nem disco-voadores. Tudo o que podia fazer era acelerar a Ford F-100, até os idiotas lá trás se acovardarem feito menininhas. O plano tinha tudo para dar certo, não fosse o ponteiro da gasolina da caminhonete, que já ultrapassava o marcador vermelho. Foi no cume da montanha, onde Neto havia fincado uma placa que indicava “OBSERVATÓRIO”, que o motor da Ford-100 finalmente morreu.

Sem gasolina.

Bernardinho esperava ser espancado até a morte pelos três marmanjos. Ou ser torturado e abandonado na estrada para se tornar comida de lobos famintos ou outros seres da noite. Ou até mesmo servir de mocinha para aqueles três psicopatas em plena puberdade. Mas jamais imaginou aquilo que aconteceu.

Assim que a Ford-100 parou no observatório, uma luz azul cintilante caiu sobre eles. Vinha do céu e trazia em si alguma espécie de magnetismo, pois a caminhonete parecia ter ficado suspensa por alguns segundos. Nesse curto período de tempo, o rádio ligou sozinho e passou a transmitir um som de estática parecido com aquele que os seus amigos captavam nos walkie-talkies. Era um ruído incomum, mas havia um padrão nele. Um código, talvez.

De repente a luz cessou-se, e as quatro rodas da Ford F-100 tocaram no chão. Uma nuvem de poeira subiu, o rádio se silenciou e só foi possível ouvir o barulho dos grilos e das corujas lá fora. Bernardinho hesitou por alguns minutos, como se tentasse assimilar o que havia se passado. Lembrou-se então dos três valentões na carroceria, que, provavelmente, estavam prontos para matá-lo. Olhou no retrovisor, mas não conseguiu enxergá-los. Então ele criou coragem e abriu porta da caminhonete.

O rapaz quase caiu para trás quando esticou o pescoço para dentro da carroceria da Ford F-100. Nem sinal dos garotos. A não ser pelas três bicicletas Caloi, que tinham os pneus derretidos e os quadros, guidões e demais peças em brasa, como se tivessem sido retiradas da boca de um vulcão.

Bernardinho caminhou durante toda a madrugada, mas não foi para casa. Foi para a delegacia de polícia, onde relatou tudo para o xerife Guimarães. Foram meses de buscas intensas, sem qualquer pista sobre o paradeiro dos três garotos. As bicicletas foram levadas à perícia, mas os laudos eram inconclusivos. No centésimo dia desde o desaparecimento dos meninos, Dr. Guimarães arquivou o caso, que entrou para a história de Folhas Secas como “o mistério no observatório”.

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