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Cortinas

Peter Rossi

Acordei hoje e percebi uma mudança incrível quando abri os olhos. Minhas mãos correram a esfregar pálpebras e tudo mais que estivesse ao alcance daquela região dos olhos. Tinha aquela coisa de despregar os cílios e adequar a retina, conforme a cortina. Quase aos sessenta, tenho que ajeitar as pregas da pele. É um fato.

Nessa hora, faço um parêntesis: é incrível como as cortinas dirigem a nossa vida! Já pensaram sobre isso? Se o sol está muito quente e o nosso sono ainda não se realizou, as cortinas nos protegem. Elas filtram o vento mais frio e se abrem como enérgicos pulmões a aspirar aquele calor que a gente tanto quer.

Outras vezes a imagem vem com brilho tão intenso que somos encorajados a esconder o sol de nossas retinas com um tecido grosso e falso que nos intimida a pensar que já é noite. As luzes ficam mais nítidas e nós nos divertimos com isso sem imaginar que nos enganamos.

A vida é assim mesmo, sempre uma tela. Em cinemascope nos vemos como nunca pensamos. Curtimos aquela música, pulando em cima do sofá, o som na altura máxima, os vizinhos, desplugados, a reclamar. A gente canta junto sem perceber que estamos longe. Mas estamos perto, basta entender.

Como disse a vida é mesmo assim, com a exceção de que não traz cortinas. Ah como eu sinto falta das cortinas, aquelas que se fecham após o espetáculo dos nossos sonhos, aquelas de veludo que protegem os protagonistas que pensamos ser, aqueles que de verdade fomos.

As cortinas, dizia eu. Aquelas que se abrem quando nossas expectativas são ultrapassadas. As luzes, os brilhos, os lumes e os perfumes que invadem a nossa alma.

Vivo com as cortinas abertas, combinei comigo e com elas. São de veludo, de forma a impedir que o sol transpasse, mas que me tragam aconchego e paz. Pousam nos meus ombros as cortinas, aquelas minhas, minhas meninas.

Faço delas o meu cinema, e de cena em cena vou colando os beijos da vida, como no filme que não consigo esquecer. O Cinema Paradiso em que os sonhos se emendam com fita durex e entre um fotograma e outro o beijo emerge. A vida se ajeita assim, entre um beijo e outro, com uma simples fita adesiva. Assim faz a cortina, ela inibe e disfarça o tempo, o vento e o meu olhar. Ela paira sobre as ondas, quando penso em navegar. É o corpo mais fértil da minha imaginação, a mulher, aquela que tem a certeza que sabe que ela é.

A cortina, minha amiga, inimiga sempre por perto, e tão longe a desfiar os nós da vida, com o simples bloqueio da luz.

Me disseram que ao nascer cortina você vem já com o estigma de enganar o olhar, pensando em acalmá-lo, você só disfarça e assim a vida segue de viés, dobrando a esquina entre a rua do imprevisto e a avenida do inimaginável.

Mas gosto de você cortina. Já me acalmou tantas vezes, em outras, sem que eu percebesse, me enganou e me fez pensar que a vida seguia normal.

Meu pano de estrelas, já imaginei junto a você tudo que me permitia imaginar. Amei minhas divas, minhas dores, minhas sinas, minhas vidas.

Hoje você é bandeira, cortina amiga. Te espero baixar a guarda e num piscar de olhar aceno. Sei que você entende, me compreende, e entre uma trama e o outra do tecido suspira. Ao meu ouvido diz que a lua está logo atrás. Eu acredito!

*
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