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O tempo se aproximou de mim

Silvia Ribeiro

Um belo dia o tempo se aproximou de mim e me disse:

Quero permissão para passar por você.

No momento aquilo me pareceu pedante demais. No entanto achei que talvez fosse melhor me abrir para as suas intenções.

Afinal de contas ele tinha lá o seu charme.

Diga-me:

O que quer de mim?

E com aquele seu jeito maroto ele tocou o meu rosto enunciando a sua linguagem.

Você sabe que eu ando um tanto apressado, e que as vezes nem tenho como reparar nas marcas que no vai e vem dos dias eu vou deixando por aí.

Sei também que a maioria das pessoas não gostam quando me veem no espelho. E que se pudessem me puniriam por isso.

Tenho uma fiel consciência da avidez que me leva a transformar vivências em memórias. E isso lhes causa um certo estranhamento.

Ouvi todas as suas dissertações sem pestanejar, mas achei que seria prudente não presenteá-lo com reticências.

E num dado momento os meus olhos ficaram bem diante dele e disseram:

Sabe essas marcas que você tanto fala?

Eu as carrego na mochila.

São elas que à cada manhã me dizem bom dia, e me ajudam a não desistir. É através delas que as minhas lágrimas viram poesias, que as minhas feridas se tornam cicatrizes, e que os meus encantos buscam desafios.

Que as minhas lembranças se transformam em saudades, que os milagres que me visitam reverenciam a gratidão. E que os meus desejos incorporam Romeu e Julieta.

Que as estrelas ninam os meus segredos, que as minhas risadas me fazem lembrar uma grande sinfonia de Beethoven, que as palavras se comportam como se fossem notícias velhas num jornal qualquer. E que o meu coração tricota uma grande história de amor.

Diante delas eu te entendo melhor.

Alguns as chamam de rugas. Já outros preferem marcas de expressão.

Isso não importa. Chame-as como quiser.

Mas, não as leve de mim.

*
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