Rosangela Maluf
Era uma quarta-feira como outra qualquer.
O dia, tranquilo. O céu azul. Um ventinho leve e o friozinho indicando o final do outono.
Tive dentista às 10h e assim que terminou, saí a pé da rua Aimorés e desci a Av. Afonso Pena em direção ao Centro. Tinha comigo uma listinha das coisas que precisava fazer e que só podem ser realizadas no burburinho intenso do miolo da cidade.
Atravessei para o outro lado, contrário ao Palácio das Artes. Caminhando em minha direção observei dois rapazes, muito jovens, bem vestidos, os dois de camisa branca, cabelo cortado do mesmo jeito. Achei que um deles olhava para o meu pescoço. Eu, quase sempre desligada, notei e achei estranho. Resolvi fechar o primeiro botão da minha camisa. Olhei novamente e lá estavam os dois no sinal da rua Guajajaras. Respirei aliviada, fora só impressão minha.
Só então me lembrei que usava duas correntes de ouro e que havia me esquecido completamente de tirá-las antes de ir ao Centro, local comprovadamente sem nenhuma segurança.
Continuei andando. De repente, uma pessoa, vem por trás e encosta as suas costas nas minhas. Enquanto isso, uma outra pessoa avança em meu pescoço. Grito bem alto: Ladrão! Ladrão! Socorro! E num instinto que não sei como saiu de mim, aproveito que a mão esquerda carregava a bolsa, dei com ela no rosto do que me arranhara o pescoço. Ele tentou se esquivar, mas o outro que se apoiava em mim, o chamou e correram os dois.
As vendedoras da lojinha em frente gritaram também e os jovens rapazes, de cabelos cortados e inocentemente vestidos de branco atravessaram com toda calma a Av. Afonso Pena. Andando calmamente, por entre os carros que buzinavam. O sinal estava fechado para eles. O que me avançou sorriu e continuou.
Tive raiva. Muita raiva. Vontade de dar uns dez tapas na cara de cada um. (Pouco depois a raiva passou…)
Entrei na loja. Me trouxeram um banquinho. Um copo d’água. Uma das vendedoras me segurava a mão que tremia mais do que vara verde. Eu que já sou portadora de Tremor Essencial, tremia tanto que foi difícil não derramar a água que me trouxeram.
Uma delas olha pro meu pescoço e diz:
– Deus do céu, olha só o pescoço dela. Marcado de três “unha”.
Passei a mão e nada senti. A outra me levou um espelho e com toda aflição do mundo, vi a marca vermelha de três arranhões: um muito vermelho, quase sangrando e os outros dois, menos. Trouxeram álcool e passaram com um algodão: queimou feito fogo!
Uns poucos minutos depois elas me falaram do perigo que é andar no Centro. Aquela dupla de rapazes “bem apessoados” já agiam por ali há algum tempo.
– E a polícia, vocês já falaram com os policiais?
Uma olhou pra outra e disse:
– A senhora sabe como são os policiais.
Nem perguntei como são os policiais…Coloquei a mão no peito, sentindo meu coração que insistia em bater disparado.
– Olha, a senhora deve tirar os brincos.
– É bijouteria, eu disse
– Não importa, se é dourado eles avançam e só depois é que vão ver. Se não for ouro eles jogam por aí. Mas vou contar uma coisa: eles enxergam de longe quando é ouro. Tira o relógio também.
– O que foi que eles levaram? A gerente da loja me perguntou.
– Uma gargantilha, mais fina com sete coraçõezinhos. E um cordão mais grosso com um pingente da árvore da vida. Eu adorava os dois. E me esqueci de tirá-los, mesmo sabendo que eu viria ao Centro.
Sinto um desconforto e coloco a mão por dentro da blusa.
No meio do peito, dentro do soutien encontro as duas correntinhas.
Ficamos as três sem acreditar. Nem mesmo os fechos se arrebentaram. Intactas, as duas correntes. Ambas em perfeito estado. Fiquei ainda mais trêmula.
Uma cliente que a tudo assistia começou a bater palmas.
Sem saber o que fazer, aplaudi também e agradeci a todos.
Agradeci, agradeci, agradeci!
Com um pouco de receio voltei a caminhar. Ainda trêmula procurei um guarda a quem relatar o ocorrido.
Uns quatro quarteirões e nenhum policial. Continuei na Afonso Pena até chegar à Pça Sete – nenhum guarda de segurança. Dei mais uma olhada e nada…acabei desistindo.
Fui à Galeria do Ouvidor, resolvi o que precisava e deixei o resto da listinha pra outro dia.
Peguei um taxi e voltei pra casa.
Acendi uma vela pro meu anjo da guarda, meus guias, guardiães e protetores.
Amém.
*
Ocorrido em BH, 08/06/2022
É um “ataque” antigo muito comum. Sofri algo parecido há muitos anos. E, também outra semelhança com seu episódio, a correntinha de ouro e o pingente foram parar no soutien.